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A necessidade de neutralizar a força inquisitória da investigação preliminar na Ação Penal

A necessidade de neutralizar a força inquisitória da investigação preliminar na Ação Penal

Não resta qualquer dúvida de que o Sistema de Justiça Criminal brasileiro é orientado por pressupostos inquisitoriais, questão especialmente tratada na coluna que escrevi intitulada “Não existe processo penal no Brasil!”.

Não obstante, tendo a Constituição da República de 1988 optado pelo sistema acusatório – diante de todo o rol de garantias, além de indicar a acusação como titular da Ação Penal –, é dever do Poder Judiciário se adequar a referido modelo, dando aplicabilidade tão somente às normas infraconstitucionais que a ele obedecem.

Mas a grande dificuldade é em relação à imediata implantação do modelo acusatório nas investigações preliminares brasileiras, especialmente nos inquéritos policiais. Daí que ficamos obrigados a nos contentar, provisoriamente – já que precisamos projetar outro cenário para o futuro –, com o possível, como a disponibilização do contraditório e da ampla defesa, a investigação defensiva, dentre outras garantias que amenizam essa força inquisitória das investigações.

Lado outro, de nada adiantaria uma efetiva implantação, na prática, do sistema acusatório no processo penal, se a investigação preliminar que lhe embasou influenciar na construção e nos atos decisórios da Ação Penal – período após o recebimento da denúncia –, uma vez que as provas produzidas na investigação estariam eivadas de práticas inquisitórias.

Neste sentido, ainda que amenizada, a inquisição das investigações preliminares precisa ser neutralizada na Ação Penal, já que o sistema acusatório não sobrevive a tamanhos elementos inquisitoriais.

Ora, afinal de contas, de que adianta, por exemplo, a prova testemunhal, em juízo, de um policial, que respeite o sistema acusatório (realizada, portanto, pelas partes), quando o acusador público, antes de formular as perguntas, relê o depoimento da fase da investigação!?

É evidente que a intenção é exatamente a de orientar a testemunha a repetir o que disse na fase inquisitorial que, não raro, sequer advogado presente havia!

Neste sentido, uma das medidas que alguns juízes têm tomado para neutralizar essa força inquisitória da investigação preliminar na Ação Penal é, quando do recebimento da denúncia, determinar o desentranhamento e arquivamento da investigação preliminar do processo, ressalvado, naturalmente, as provas irrepetíveis, como as periciais.

Não menos importante, mas definitivamente uma questão extremamente espinhosa, é a da suspeição do juiz que atuou na investigação preliminar decidindo sobre medidas cautelares ou qualquer outra questão. Situação frequente nas Comarcas de interior e nas Subseções menores da Justiça Federal, em que não se tem Varas especializadas para as investigações.

Isto porque, levando em consideração que o juiz é um ser humano como qualquer outro, carregando toda a carga de preconceitos e valores, não é um absurdo perceber que a decisão de um juiz na fase de investigação preliminar lhe influenciará, ainda que inconscientemente, nas decisões da mesma causa após o recebimento da denúncia.

É bem previsível que um juiz que determinou a prisão cautelar de um sujeito na fase de investigação, irá receber a denúncia, ainda que por falta de justa causa ou qualquer outra prejudicial, como nulidades das provas.

Por outro lado, não é tão previsível que este mesmo juiz, por exemplo, irá absolver o mesmo acusado, que mandara prender na fase de investigação, já que estará, naturalmente, atestando o seu erro em ter determinado a restrição da liberdade de um inocente.

Uma hipótese boa para a solução do referido problema é aquela aventada no Projeto de Novo Código de Processo Penal (PLS n. 156/09), que seria do chamado juiz de garantias, aquele competente para atuar como garantidor do cumprimento das regras do processo nas investigações, mas não atuaria na Ação Penal.

Trata-se de uma possibilidade interessante, que, definitivamente afastaria a referida atuação de juiz suspeito. Contudo, depende de interesse das instituições públicas no sentido de uma nova organização do Poder Judiciário neste sentido, disponibilizando, no interior, por exemplo, juízes de garantias que atuariam em regiões com várias comarcas – para a Justiça Estadual – ou várias Subseções – para a Federal.

Por todo o exposto, a necessidade de neutralizar a força inquisitória das investigações preliminares nas Ações Penais é uma demanda urgente, que merece a atenção não apenas da defesa, que deve ficar atenta e questionar sempre que possível, bem como dos demais atores processuais – acusação e órgão julgador – que, com o necessário apoio das demais instituições públicas, devem se atentar para esta questão.


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Núbio Mendes Parreiras

Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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