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Investigação preliminar: finalidade e fundamentos da existência

Investigação preliminar: finalidade e fundamentos da existência

A atenção quanto as leituras acerca da fase investigativa, focadas nos termos e em como eles são utilizados, é de extrema importância, visto que se muda totalmente a conotação e a intenção perante a ideia que se quer passar. Vejamos:

A finalidade do gênero Investigação Preliminar, nas palavras de Patrícia Tarcha (2014) corresponde a “busca pela tipicidade do fato, a existência ou não de excludentes de antijuridicidade e a culpabilidade do autor do delito”. E segue: “sua nobreza está na liberdade de buscar a verdade real”.

Entretanto, entender dessa forma (e aqui inicia-se observações com olhares não para o(a) autor(a) específico, mas a grande massa doutrinária, que com outras palavras cometem equívocos, até mesmo inconscientes) reproduzir e aplicar, geram consequências graves no que diz respeito ao próprio conceito, mas também na perpetuação de práticas inquisitórias primitivas, destoadas de uma noção de Sistema Inquisitivo, a luz da Constituição como irei propor em Ensaios próximos.

Buscar, perseguir, procurar tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, pressupõe a adoção de uma postura prévia afirmativa, ou seja, há tipicidade, o fato é antijurídico e culpável.

Com o passar do tempo, posicionar-se com certeza, ou seja, ao decidir pela certeza de que o fato foi subsumido a norma, as decisões e atitudes adotadas podem sofrer interferências de atalhos cognitivos e erros sistemáticos (WOJCIECHOWSKI; ROSA, 2017), os quais diminuem o esforço cerebral para o desempenho das atividades de decidir diante, no caso, de buscar a tríade factual, e consequentemente interferir diretamente no agir e como agir após decisões.

Dessa forma, pode passar desapercebido questões relevantes, bem como legitimar atitudes de busca (porque se está certo de que “houve crime”, de que “há culpa”, de que “foi ele”), muitas vezes desproporcionais e inconstitucionais, de modo inconsciente e automático, “cegos” por heurísticas e vieses.

Portanto, a postura deve ser cética, de modo que a finalidade da Investigação Preliminar é verificar se o fato narrado na notícia-crime é típico, antijurídico e culpável, possibilitando sempre a atuação cerebral do Sistema 2, cujas atividades e mecanismos caracterizam-se por “serem analíticos, deliberativos, amparados em regras normativas, bem como por exigirem alocação de atenção – a ponto de serem interrompidos se houver desvio de atenção” e nesse sentido, “é o único que pode seguir regras, comparar objetos com base em diversos atributos e fazer escolhas deliberadas a partir de opções” (WOJCIECHOWSKI; ROSA, 2017, p. 33-34).

Lembre-se: quem somente procura (e não procura/busca verificar – diferença evidenciada por aqui) acha, e muitas vezes acha porque quer achar.

A partir da finalidade da Investigação é que se extrai os fundamentos de sua existência, a importância da fase administrativa, diante de um possível processo. Aury Lopes Jr traz três razões: busca de fato oculto, função simbólica e filtro processual (2016, p. 120) e David Queiroz acrescenta uma quarta: função acautelatória (2017, p. 43).

Acrescentando a palavra verificar ao conceito de Aury, pelos motivos acima expostos, tem-se que a busca do fato oculto consiste em verificar se o fato possui ou não elementos de “autoria e materialidade (fumus commissi delicti), para o oferecimento da acusação ou justificação do pedido de arquivamento, pois o crime “na maior parte dos casos, é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado” (LOPES JR, 2016, p. 120).

A função simbólica permite à população sensação de pleno funcionamento do aparato estatal voltados a segurança e controle sociais, contribuindo para o restabelecimento da paz social desestabilizada pelo crime, “afastando sentimento de impunidade” (LOPES JR, 2016, p. 120).

O filtro processual perpassa pela noção de não processar sem indícios suficientes de autoria e materialidade do fato investigado. Por isso a verificação de existência de tais elementos e não a busca por eles, a fim de “evitar que um inocente seja processado injustamente” (ROXIN, 200, p. 326), impedindo o “exercício de ações penais aventureiras” (QUEIROZ, 2017, p 41).

Por último, a função acautelatória, a qual conceitua-se pela produção ou colheita de “provas inadiáveis, que não poderão ser repetidas ou produzidas no processo” (QUEIROZ, 2016, p. 44), uma vez verificado e constatado indícios de autoria e materialidade.


REFERÊNCIAS

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 13. ed. Florianópolis: Saraiva, 2016.

QUEIROZ, David. A permeabilidade do processo penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2000.

TARCHA, Patrícia Rosana Magalhães Gonçalves Fernandes. As finalidades do inquérito policial diante das novas demandas midiáticas. Jus Navegandi, Teresina, 20 ago 2014. Disponível aqui. Acesso em: 26 jan 2018.

WOJCIECHOWSKI, Paola Bianchi.; ROSA, Alexandre Morais da. Vieses da Justiça. Florianópolis: Empório Modara, 2017.

Andressa Tomazini

Pós-Graduanda em Direito Penal e Direito Processual Penal. Pesquisadora.

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