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Já passou da hora de termos um Direito Penal sério e honesto

Já passou da hora de termos um Direito Penal sério e honesto

A lei 13.718/2018 trouxe uma mudança significativa no Código Penal, precisamente no artigo 225. A partir da promulgação da lei os crimes dos Capítulos I e II do Título VI passam a ser de ação penal pública incondicionada, e uma dessas infrações penais encontra-se o crime de estupro (art. 213 do CP).

Antes do advento da lei 13.718/18, o crime de estupro era processado mediante ação penal pública condicionada a representação da vítima, isto é, o Ministério Público para instaurar a ação penal dependia de uma representação do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, uma questão de procedibilidade.

A promulgação da lei faz com que o Ministério Público tenha independência para instaurar a ação penal sem necessidade de autorização do ofendido, e tão pouco o Parquet pode desistir da ação penal, conforme artigo 42 do Código de Processo Penal.

Não há dúvidas que o crime de estupro é um ato de barbárie a nível extremo, uma das piores infrações penais prevista no ordenamento jurídico, se não a pior delas. Deixa marcas nas vítimas durante muito tempo, e muitas não conseguem recuperar-se do trauma de uma conduta tão violenta.

Os órgãos estatais (Polícia, Ministério Público e Judiciário) têm papel fundamental no combate a qualquer tipo de violência, sobretudo nos crimes contra a dignidade sexual. Um país como o Brasil em que mulheres são violentadas diariamente por seus companheiros, mortes praticadas por homens que não aceitam o fim do relacionamento precisam ser combatidas de forma a reprimir e prevenir todos esses atos.

A vitimologia – que, para muitos, é uma ciência autônoma e, para outros, um ramo da criminologia –, trata da figura da vítima em relação ao crime. Estuda o papel da vítima no crime, trazendo uma posição de equilíbrio, colocando a vítima no local central do crime e não o réu, respeitando todos os seus direitos e garantias.

A vítima é a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso, sendo aquela que é ofendida diretamente ou possui um bem tutelado ameaçado.

O ramo da vitimologia estuda três níveis de vitimização; a primária, secundária e terciária. Na vitimização primária os efeitos do crime são atingidos diretamente na vítima, constrangimento físico, psicológico e material. No caso do crime de estupro a violência física praticada pelo autor com fins de manter relação sexual não consentida com a vítima, lesão corporal com o intuito de consumar o ato e o transtorno psicológico é um exemplo de vitimização primária.

Na vitimização secundária temos o descaso do Estado após o processo e a falta de receptividade social. Nesse tipo de vitimização a vítima sofre com a série de consequências negativas advindas das reações formais e informais do fato criminoso.

No que tange a vitimização terciária é aquela provocada pelo meio social, normalmente em virtude da estigmatizarão trazida pelo crime. Um bom exemplo é a vítima de crime contra a dignidade sexual, que, além de suportar o crime, sofre o preconceito de outras pessoas, que não a aceitam como anteriormente. 

Analisando os três níveis da vitimologia (primária, secundária e terciária) percebemos que a vítima do crime de estupro insere-se em todas essas searas, trazendo ainda mais tormento em sua vida.

O advento lei 13.718/2018, com máximo respeito quem pensa de maneira diversa, trouxe um prejuízo a vítima do crime de estupro pelo fato do processamento ser de ação penal pública incondicionada. A vítima não possui mais a discricionariedade sob o processo criminal em poder escolher ou não pelo seu prosseguimento. O Ministério Público se tornou o titular pleno da ação penal do crime do artigo 213 do CP não necessitando da representação da vítima.

Como dito acima o crime de estupro deixa marcas profundas nas vítimas, muitas vezes esse trauma é tão grande que o ofendido não quer contato com o autor do fato, nem voltar a discutir sobre esse episódio lamentável que ocorreu na sua vida.

Observa-se que como a ação penal pública incondicionada, a Polícia fará toda investigação, encaminhará ao Juiz que por sua vez abrirá vista para o Promotor de Justiça, entendendo haver autoria e materialidade do delito oferecerá a denúncia que com o recebimento será instaurada a ação penal. A vítima será obrigada a relembrar tudo que passou diante das autoridades envolvidas no processo, trazendo mais sofrimento e dissabor.

O Estado ainda que puna o autor do fato pelo crime punirá também a vítima colocando-a numa situação desconfortável da qual não gostaria de novamente viver. Os agentes públicos não deveriam ter esse direito e deixar sob o crivo da vítima em decidir sobre essa questão tão delicada.

O legislador desacertou em ter modificado a legislação. Manter o crime de estupro sendo de ação penal pública condicionada a representação era o ideal, pois se fosse da vontade da vítima em ver seu algoz processado e eventualmente condenado a uma pena privativa de liberdade, autorizaria o Ministério Público a oferecer a denúncia e posteriormente participaria de todos os atos do processo. Inclusive, se assim desejasse, poderia ter auxílio de um advogado assistente de acusação para dar andamento no processo.

A legislação penal ainda que se preocupa em garantir um processo justo e equânime para o acusado, deveria nesse caso se preocupar com a vítima até mesmo por uma questão de política criminal. Sabemos que nosso Código Penal e o Código de Processo Penal estão defasados e muitas das vezes obsoletos para a sociedade atual brasileira.

Já ocorreram diversas mudanças na legislação penal, formando uma verdadeira “legislação Frankstein”, porém não supre as reais necessidades da sociedade moderna. De um lado vemos os direitos e garantias fundamentais do acusado sendo violados, de outro a sensação da vítima em saber que houve injustiças.

Já passou da hora de termos um Direito Penal sério e honesto

É preciso haver sensibilidade do legislador no momento da criação de leis penais no Brasil. Já passou da hora de termos um Direito Penal sério e honesto de modo a andar com a Constituição Federal de 1988.

Por todo o exposto, houve uma confusão legislativa que em vez de ajudar o Direito Penal pátrio trouxe ainda mais insegurança e intranquilidade nos processos criminais em relação as vítimas do crime de estupro.

Você concorda que já passou da hora de termos um Direito Penal sério e honesto?

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Gabriel de Araújo Jardim

Advogado criminalista

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