Japão: caça às baleias e a questão cultural
Japão: caça às baleias e a questão cultural
A primeira semana de julho de 2019 marcou o retorno da caça às baleias pelo Japão, após mais de 30 anos de proibição.
No primeiro dia da caçada, poucas horas após os navios zarparem, retornaram com duas baleias minke. “As embarcações, que devem passar a maior parte do verão em atividade, poderão capturar 227 animais, sendo 150 baleias-de-bryde, 52 baleias minke e 25 baleias-sei, de acordo com a cota estabelecida pela Agência de Pesca” (G1, 2019).
Em dezembro, o Japão deixou a Comissão Baleeira Internacional (IWC, na sigla em inglês) da qual era membro desde 21 de abril de 1951. A organização foi criada para garantir a preservação desses cetáceos e impedir sua caça indiscriminada nos oceanos. Em 1986, essa Comissão “impôs a proibição da caça comercial, depois que algumas espécies foram praticamente levadas à extinção pela pesca predatória”.
Em 1987, o país iniciou a pesca com “fins científicos”, mas a carne das baleias mortas acabava por ser comercializada. O país suspendeu a caça comercial em 1988 (G1, 2019). Por outro lado, uma reportagem no jornal El País Brasil afirma que desde 1986 o Japão pratica a caça no Pacífico Norte, sob a alegação de fins científicos.
Os críticos da medida sempre alegaram que se tratava de uma atividade comercial encoberta. Em 2015, um Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, freou também essa atividade (JAPÃO SAI À CAÇA…, 2019).
As autoridades japonesas afirmam que a maioria das espécies não corre risco de extinção e que consumo da carne de baleia faz parte de sua cultura. Porém, cada habitante consome apenas de 40 a 50 gramas por ano de carne de baleia (JAPÃO SAI À CAÇA…, 2019).
Além disso, cabe ressaltar que a tradição cultural do consumo da carne de baleia está ancorada principalmente entre os idosos, pois essa “era a sua única fonte importante de proteína no período pós-guerra”, a Segunda Guerra Mundial (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2019).
Vale lembrar que, em nome da “tradição cultural” ou “manifestação cultural”, vários abusos são cometidos contra os animais não-humanos. Podem ser citadas a Farra do Boi (ainda praticada ilegalmente no litoral de Santa Catarina), vaquejadas, touradas, “Touro de Fogo” e muitas outras. No Brasil, a Emenda Constitucional (EC) 96/2017 acrescentou o § 7º ao art. 225 da Constituição Federal brasileira, que passou a ter a seguinte redação:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[…] § 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos” (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Porém, voltando ao Japão, uma mulher de 30 anos declarou: “Recebíamos [carne de baleia] na cantina quando eu era pequena, mas acho que não vou comê-la de novo. Acho que o Japão deveria tomar suas decisões levando em conta o resto do mundo, que diz que isso não está certo” (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2019).
Muito pertinente mostra-se o seguinte depoimento de uma taxista daquele país, com a idade de 66 anos, ao afirmar: “o mundo se opõe à caça às baleias, mas se pode dizer o mesmo de muitos dos animais criados em terra e abatidos para servir de alimento” (G1, 2019).
Acredito que a preocupação em relação às baleias se dê pela ameaça de extinção de algumas espécies, o que não ocorre com os animais de produção. Entretanto, são conhecidas as crueldades que ocorrem nas fazendas e nos frigoríficos, que abatem bilhões de animais anualmente para o consumo humano.
José Truda Palazzo Júnior, coordenador de Desenvolvimento Institucional do Projeto Baleia Jubarte e que esteve na delegação da Comissão Baleeira Internacional (CBI) por mais de 20 anos, entende, contudo, que o retorno da caça à baleia pode ser uma boa notícia, pois
essa pesca está restrita às águas jurisdicionais do Japão. O país não pode mais pescar baleias em águas internacionais, como fazia todo ano […] “para fins científicos”. O subterfúgio da caça científica permitiu ao Japão, por mais de 30 anos, matar centenas de baleias na Antártica e no Pacífico Norte. Agora isso acabou” (RODRIGUES, 2019).
Palazzo Júnior também afirma não existir mais mercado para a carne de baleia e que a tendência é a caça acabar (RODRIGUES, 2019).
Pergunto: será mesmo que isso vai acontecer? Prezado leitor, se você quiser manifestar-se, deixe sua opinião nos comentários.
REFERÊNCIAS
AGENCE FRANCE-PRESSE. Japão retoma caça comercial de baleias após mais de 30 anos. Exame, São Paulo, SP, 1 jul. 2019. Disponível aqui.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível aqui.
G1. Veja como foi a 1ª caça comercial de baleias no Japão após mais de 30 anos de proibição. 3 jul. 2019. Disponível aqui.
JAPÃO sai à caça de 227 baleias depois de 30 anos de moratória. El País Brasil [online], São Paulo, 1 jul. 2019. Disponível aqui.
RODRIGUES, Sabrina. Japão anuncia o retorno da caça à baleia. Entenda por que isso é uma boa notícia. 1 jul. 2019. Disponível aqui.
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