Jeffrey Dahmer: serial killer bêbado
Jeffrey Dahmer: serial killer bêbado
Poucos assassinos em série exerceram tanto deslumbramento no mundo quanto o criminoso Jeffrey Dahmer. Esse assassino se destaca em inúmeras biografias, filmes e sites da internet de maneira paradoxal: é visto como um monstro e também visto como um ídolo, sendo repudiado e admirado.
Antes de Dahmer ter sido condenado pelos assassinatos, foi acusado de perturbação e embriaguez, de exposição indecente (masturbou-se na frente de duas crianças) e de agressão sexual. Matou 17 vítimas jovens ao longo de 13 anos.
O consumo do álcool feito por Dahmer surge no início da adolescência e perdura até a data em que é preso, aos 31 anos. Seu uso excessivo foi perceptível entre seus colegas de escola, motivo de sua expulsão do Exército e também a causa de ser desligado de uma Sauna Gay. Consegui abster-se de álcool por um período quando morava com a avó paterna e nessa mesma época recebeu uma proposta sexual de um garoto na biblioteca.
A partir dessa proposta, Dahmer foi tomado por uma angústia atormentadora. O “encontro” com outros seres humanos não passa para ele pela via social da normalidade e Jeffrey se encontra imerso em tensão. E a forma de dar vazão a essa tensão no sentido de ter um alívio e de também ter um certo prazer é feita por Jeffrey a partir do ato, que ocorre pela destruição.
Pode-se hipotetizar que esse encontro embaraçoso lhe causou uma desestabilização, transformando-se num gatilho à passagem ao ato. E, após oito anos do primeiro assassinato, ele comete o segundo, iniciando a sequência de mortes.
Aos 14 anos, Dahmer relata que suas fantasias de cometer um assassinato começam e inicia o uso da bebida. Porém, somente após a separação dos pais, aos 18 anos, cometeu seu primeiro homicídio. A partir dessas circunstâncias, pode-se pensar que a função inicial do álcool surge amenizando a tensão para não cometer o ato criminoso.
Jeffrey encontrou um ganho no próprio no ato de beber, não precisando lidar com os afetos produzidos pelos encontros e desencontros com outros seres humanos. Devido isso, Dahmer inclui o álcool em todas as fases de seu ato: geralmente, frequentava um local cuja clientela era homossexual, conhecia uma vítima, bebia com ela e, assim, um convite a sua casa para continuar o consumo era feito.
Dahmer drogava suas vítimas e iniciava seus atos, que abrangiam abusos sexuais, torturas e experiências bizarras, culminando no desmembramento das vítimas, além de práticas sexuais com as partes do corpo.
Jeffrey estava constantemente alcoolizado e ativo. Nesse sentido, fica a dúvida de como o assassino em série conseguia desempenhar os atos de estrangular, desmembrar e se masturbar, estando alcoolizado na cena. Dahmer comenta numa entrevista gravada para televisão:
Eu só queria ter uma pessoa sob meu total controle.
Porém, como foi possível ter o controle neste estado de embriaguez?
Leia também:
- Jeffrey Dahmer, o canibal americano (aqui)
O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais descreve três critérios para classificar o diagnóstico de Transtorno de Personalidade e, no agrupamento B, encontra-se o tipo antissocial referente a um dos possíveis diagnósticos de Jeffrey. São eles:
- Critério de instalação, que deve ter início na adolescência ou no início da vida adulta – Dahmer apresentou fantasias e desejos mórbidos ainda na adolescência e matara animais até fazer sua primeira vítima humana no início da vida adulta;
- Critério de duração, que apresenta funcionamento crônico – Dahmer ocupava seu tempo com a descoberta de como satisfazer seus desejos e, enquanto não os realizava com as vítimas, procurava substitutos, como bonecos infláveis;
- Critério de continuidade, que inclui o recente funcionamento – provavelmente, as fantasias de Jeffrey perduraram até o fim de sua vida e seus atos duraram até o dia de sua prisão.
Dahmer chegou a fazer algumas experiências com as vítimas ainda vivas, perfurando suas cabeças com uma furadeira e injetando ácido e água quente na abertura numa tentativa de criar “mortos-vivos” em que teria domínio absoluto.
Numa entrevista, Dahmer relata que essa experiência foi uma tentativa de nunca ser abandonado, possibilitando hipotetizar sobre um trauma baseado na separação dos seus pais, que culminou no seu primeiro assassinato.
Antes desse abandono físico, há relatos de que seus pais trabalhavam em excesso e de que a permanência deles em casa se dava em torno de muitas brigas, sem muitas atenções ao filho. Apesar de Dahmer negar que sofreu qualquer tipo de agressão física dos pais, ele certamente sofrera de um abandono de cuidados e de dedicação fraternos.
Ressler e Shachtman (2010) afirmam que os assassinatos, em geral, são acompanhados de uma satisfação sexual ou, ao menos, uma tentativa da mesma. Se o crime está ligado à sexualidade, podemos supor que, assim como o ato sexual, o crime é compelido a se repetir numa busca de um gozo impossível, de algo que nunca vai ser satisfeito por inteiro e que deve sempre recomeçar. O que se pode compreender como uma resposta particular à pulsão sexual.
Susini (2006) assinala que “não se pode elucidar o enigma da repetição sem entender primeiramente o mecanismo do ato primeiro” (p. 15), ponto que pode estar relacionado com as fantasias de Dahmer.
Em sua infância, Jeffrey passou por uma cirurgia que o marcou, segundo ele, saber que pessoas estranhas explorariam seu corpo aberto o deixou muito assustado. Como sabemos, o início de seus comportamentos bizarros ocorreu com animais mortos que encontrava e os dissecava pelo interesse de saber como era o funcionamento deles por dentro. Esse comportamento evoluiu até chegar a abrir o tórax de suas vítimas humanas, de certa forma “operando” suas vísceras.
O comportamento de Dahmer, de se interessar pelas entranhas das vítimas, pode ter vindo de sua infância, sendo reproduzido nos crimes. Para Tendlaz e Garcia (2013, p. 143),
raramente o assassino em série obtém alguma vantagem material; o motivo sempre obedece mais a uma ordem psicológica.
E, segundo Canter (2015), a cena do crime não tem apenas vestígios e pistas materiais; nela também se encontram vestígios ou traços psicológicos, indicando que tipo de pessoa o assassino é e nomeando-o como se fosse “sombra”.
Para concluir, percebeu-se que a relação do uso do álcool na vida de Jeffrey sofreu mudanças. Esse surgiu como um modo de remediar sua tensão vinda de suas fantasias singulares, o que evidentemente foi um modo falho, pois a bebida não se configura como um tratamento, sendo muito menos eficaz.
E, em outro momento, tornou-se precioso para sua conduta criminosa, pois facilitara o encontro com suas vítimas, diminuindo sua timidez. O álcool se transfigurou assim em objetos de troca e em motivos de convites para suas vítimas (o que também não era sem efeitos para o assassino, pois as vítimas ficavam mais vulneráveis).
Além disso, de um modo bem particular, o álcool fazia com que o cotidiano se tornasse mais suportável e que os atos de assassinato se tornassem mais fáceis de serem executados.
REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 992p.
CANTER, D. Criminal Shadows: Inside the Mind of Serial Killer. (English Edition) ebook Kindle. Editora: Endeavour Press, 2015. 320p.
PHILIPS, S. Confissões de um Serial Killer. Produção: canal televisivo MSNBC, 1994. 88 min. Disponível aqui. Acesso em 15 de jun. 2017.
RESSLER, R.; SHACHTMAN, T. Dentro del Monstruo – Un Intent de Compreender a los Asesinos em Serie (Minus) (Spanish Edition) (Locais do Kindle 1920). Editora Alba, 2010. 216p.
SUSINI, Marie-Laure. O Autor do Crime Perverso. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006. 240p.
TENDLARZ, S.E.; GARCIA, C.D. A Quem o Assassino Mata? O Serial Killer a Luz da Criminologia e da Psicanálise. São Paulo: Editora Atheneu, 2013.