O Judiciário e os riscos do autoritarismo
O Judiciário e os riscos do autoritarismo
Juiz:
s.m. 1. Indivíduo que julga; árbitro. 2. Magistrado encarregado de dar sentenças, de julgar de acordo com a lei e a Justiça.
Justiça:
s.f. 1. Conformidade com o Direito. 2. Atitude que faz dar a cada qual o seu. 3. Faculdade de julgar com equidade. 4. Conjunto de magistrados e pessoas que servem junto deles em um tribunal. 5. Poder Judiciário. (Minidicionário Luft). (grifos nossos).
Não há dúvida de que o Poder Judiciário se tornou um dos protagonistas no atual cenário político brasileiro, em caos, diga-se. Decisões do STF e do STJ deixaram o nicho jurídico, restrito às faculdades de Direito, seus alunos e professores, e estão literalmente em todos os jornais. Mas quem julga os julgadores, considerando a pífia legislação que pune abusos de autoridade?
A Lei 4.898 de 9 de dezembro de 1965 é a lei que: “Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade.” Referida legislação foi publicada durante a vigência da ditadura militar e segue válida até os dias de hoje.
Mesmo genérica e com uma punição branda, a referida lei tem pontos positivos ao determinar o que configura abuso de autoridade:
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.
Como dito acima, a punição prevista a quem comete abuso de autoridade é pífia:
Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.
§1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
§2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.
§3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.
§4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
§5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.
O ranço do autoritarismo parece ser herança histórica do brasileiro, desde o Brasil colonial. Desacostumado à democracia, o povo brasileiro parece ter gosto por governos autoritários, herança dos tempos do colonialismo, coronéis, senhores de engenho mandando e desmandando em seus escravos. Assim dispôs Gilberto Freyre:
Cremos surpreendê-los em nossa vida política, onde o mandonismo tem sempre encontrado vítimas em que exercer-se com requintes às vezes sádicos; certas vezes deixando até nostalgia logo transformadas em cultos cívicos, como o do chamado marechal-de-ferro. (Casa Grande e Senzala, pg. 51).
Ainda de acordo com a obra imortal de Freyre, outra característica do brasileiro é a eterna busca por um “herói”, um salvador da pátria. Esse herói já foi Antônio Conselheiro, Getúlio Vargas, entre outros personagens de nossa História. Nesse momento em que o Poder Judiciário atrai todos os holofotes e manchetes jornalísticas, a primeira recompensa dos atuais heróis da República foi um aumento em seus já gordos rendimentos.
De acordo com a Constituição de 88, cabe ao Conselho Nacional de Justiça fiscalizar o Judiciário:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:
(…)
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;
III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;
V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;
VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
§5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes:
I – receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários;
II – exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;
(…)
§7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.
O CNJ foi um os pontos altos da Reforma do Judiciário; foi criado em 14 de junho de 2005, através da Emenda Constitucional nº 45/2004.
Entretanto, as punições previstas no Estatuto da Magistratura não facilitam a questão da fiscalização aos excessos do Judiciário, sendo que por vezes parece uma punição para inglês ver.
Por mais que não se deva jamais confundir Judiciário com Justiça, o cenário poderia ser melhor do que o atual.
Sobre juízes, assim pensava Tolstói:
Mas, agora, na qualidade de juiz de instrução, Ivan Ilitch sabia que todos sem exceção, mesmo os mais poderosos e emproados, dependiam dele e bastava que escrevesse umas poucas linhas num papel timbrado para que o personagem mais importante e mais autossuficiente comparecesse à sua presença como acusado ou como testemunha e, se não quisesse que ele se sentasse, ficaria de pé suportando a sua arguição. (A morte de Ivan Ilitch, pg.24).
REFERÊNCIAS
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 25ª edição: Rio de Janeiro. Editora José Olympio, 1987.
Minidicionário Luft.
TOLSTÓI, Leon. A morte de Ivan Ilitch. 1ª edição: Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2013.