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Juiz das garantias e imparcialidade judicial

Juiz das garantias e imparcialidade judicial

Por Daniel Lima e Rodrigo Piancó

A Lei n° 13.964/19, conhecida popularmente como ‘pacote anticrime’, trouxe inúmeros avanços para o sistema de justiça criminal, dentre os quais podemos citar a aderência infraconstitucional, agora expressa, ao sistema acusatório como matriz estruturante do processo penal (art. 3-A), bem assim a adesão ao sistema do juiz das garantias, que já possui previsão em praticamente todos os países democráticos da América Latina.

Apesar de estarem suspensos por tempo indeterminado os dispositivos legais inerentes ao sistema acusatório (art. 3-A, CPP) e ao juiz das garantias (3-B, 3-C, 3-D, 3-E e 3-F), em razão da decisão liminar do Min. Fux na ADI n°, ainda, assim, se faz necessário entender o que é o juiz das garantias e qual é a sua importância para a solidificação do sistema acusatório brasileiro. Afinal de contas, a qualquer momento – esperamos que seja o mais breve possível – os referidos institutos produziram seus efeitos em nossa ordem jurídica.

Pois bem. Em linhas gerais e em termos práticos, podemos dizer que juiz das garantias é o magistrado que vai atuar exclusivamente na fase preliminar, exercendo o controle de legalidade dos atos praticados em sede de investigação criminal, para que o magistrado que vai julgar a causa penal não se contamine psicologicamente com a hipótese acusatória colhida no curso da investigação.

Partindo dessa premissa, pode-se afirmar que o juiz das garantias tem dupla função no processo penal, quais sejam, salvaguardar os direitos fundamentais do acusado no curso da investigação preliminar, assim como garantir o alheamento daquele (juiz) que vai julgar o mérito do caso penal, pois de nada adianta o Código de Processo Penal estabelecer hipóteses de impedimento (art. 252) e suspeição (art. 254), se o juiz que vai julgar o feito tem contato direto com o material produzido no inquérito.

Logo, não basta tão somente buscar e garantir a imparcialidade subjetiva daquele que vai julgar a causa – já que esta é de constatação evidente. É preciso mais. Ou seja, é preciso salvaguardar o aspecto objetivo da imparcialidade judicial, através do distanciamento do julgador da causa penal do material inquisitório produzido no inquérito. É preciso, portanto, preservar também a aparência de justiça e a confiança dos jurisdicionados no sistema.

Nesse sentido, importante relembrar, fazendo um pequeno adendo, que os elementos de informação colhidos na investigação devem, ou deveriam, ter a restrita função de subsidiar a opinio delicti do Ministério Público e, ato contínuo, servir de fundamentos para que o magistrado reconheça a (in)existência de justa causa para a deflagração da ação penal.

Dito isso, imprescindível trazer à baila o fato de que a jurisprudência do TEDH (Tribunal Europeu de Direitos Humanos) é firme na compreensão de que a atuação proativa do julgador na fase preliminar, verificada através da prática de atos restritivos de direitos fundamentais, é motivação suficientemente apta para abalar o aspecto objetivo da imparcialidade judicial. Dito de outra forma, o TEDH entende que a prática de atos decisórios pelo magistrado na fase preliminar inequivocamente afeta a sua imparcialidade, na vertente objetiva.

Nessa esteira, destaca-se o estudo empírico realizado por Schunemann (2012), que, por meio da teoria da dissonância cognitiva, percebeu que o contato prévio do juiz com os autos do inquérito afeta a sua imparcialidade. Em outras palavras, a referida pesquisa demonstra que o contato do juiz com o inquérito (e suas características incriminatórias) faz com que o mesmo tenha uma inclinação predisposta à condenação, predisposição essa psicologicamente inconsciente.

Para o autor, portanto, o prévio contato do juiz com os elementos produzidos no inquérito faz com que o mesmo persevere naquilo que foi descrito na inicial acusatória (efeito inércia ou perseverança), e refute as informações dissonantes, supervalorizando as informações consonantes (busca seletiva de informações).

Nesse ser assim, não restam dúvidas acerca da importância do juiz das garantias para o processo penal brasileiro, porquanto não havendo esse afastamento do juiz do processo da investigação, não haverá de se falar efetivamente em imparcialidade judicial, e, consequentemente, em sistema acusatório efetivo.

E como no processo penal, assim como na vida, “a primeira impressão é a que fica”, imprescindível afastar o juiz que conduzirá o processo penal da fase do inquérito policial, evitando, dessa forma, qualquer possibilidade de contaminação (consciente ou inconsciente), pois, independentemente de qualquer status que possua, o magistrado é um ser humano como cada um de nós e carrega consigo vivências e pré-julgamentos sobre os mais variados assuntos, o que torna o seu alheamento algo ainda mais necessário.

Se o julgamento promovido por um juiz objetiva e subjetivamente imparcial é uma busca incessante do sistema de justiça criminal dos pais democráticos, o instituto do juiz das garantias é, sem dúvida, um dos instrumentos indissociáveis para a consecução de tal fim.

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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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