Julgamentos dos Tribunais Superiores e a insegurança jurídica
Julgamentos dos Tribunais Superiores e a insegurança jurídica
Após as revoluções liberais do século XVIII, o discurso jurídico adquiriu uma forma que possui, dentre suas bases, a segurança jurídica, prometendo, primordialmente, previsibilidade das decisões do Poder Público.
Como o modelo que fora importado pelo Brasil é o chamado Civil Law, advindo da Europa continental, a segurança jurídica que nos foi prometida se alicerçaria na lei, forma jurídica que vincularia todos os Poderes, inclusive o Judiciário.
Neste sentido, a previsibilidade dos atos do Poder Público deveria ser garantida pelas leis, que, naturalmente, e para tanto, deveriam ser cumpridas para cumprir tal fim, não apenas as emitidas pelo Poder Legislativo (CR/88, Leis, Decretos etc.) mas todas normas legais (como Regimentos Internos, Portarias etc.).
Daí que, especialmente o Poder Judiciário, não tem nos proporcionado a esperada segurança jurídica, sendo imprevisível os seus atos a serem emitidos, inclusive os dos Tribunais Superiores, que não têm cumprido nem mesmo as normas por eles emitidas.
Tal situação deturpa o caráter público das decisões das instituições, já que desvincula aquilo que nos conecta democraticamente ao Poder Público, as leis, passíveis de fiscalização e de críticas. Já as decisões inovadoras, blinda as instituições da fiscalização do cidadão, que não prevê os atos.
Especialmente no que toca às normas editadas pelos Tribunais Superiores, como Portarias e Regimentos Internos, o descumprimento delas evidencia sintomas de um autoritarismo camuflado pela aparente menor importância de seus conteúdos e formas perante as demais, notadamente as normas do Poder Legislativo federal.
Neste contexto, duas situações se sobressaem, sendo a discricionariedade do controle da pauta dos julgamentos e o desrespeito dos prazos para devolução após as retiradas dos processos para vistas dos ministros dos Tribunais Superiores.
Quanto à discricionariedade das pautas para colocar os processos para julgamento, evidencia um micropoder local (como diria Maurício Dieter) na medida em que pautado em critérios pessoais, sem um menor filtro democraticamente público, mas meras conveniências pontuais de quem assume a presidência da Corte.
Assim, interesses políticos ocasionais acabam por orientar ora prioridades de julgamentos, ora ignora demais processos que mereceriam ser incluídos em pauta, mas acabam demorando anos ou até décadas para serem julgados.
Assim, a discricionariedade da pauta acaba por retirar a dignidade que a CR/88 e toda a história dos Tribunais Superiores conservava com aquela, já arranhada, “marca” de notório saber jurídico e reputação ilibada!
E a grande importância de se estabelecer critérios claros e desinteressados para se estabelecer uma agenda consensual entre os ministros para se pautar os casos é a garantia de uma maior segurança jurídica para o jurisdicionado, lhe permitindo certa previsibilidade e confiabilidade no Poder Judiciário.
Já no tocante ao desrespeito dos ministros quanto aos prazos para devolução dos processos retirados para vistas, a pesquisa dos professores Diego Arguelhes e Ivar Hartmann revela uma realidade assustadora em relação à prática de pedido de vistas dos ministros do STF.
Os dados da referida pesquisa, publicada no sítio virtual Jota (A irrelevância do Regimento Interno do STF, em 08/10/2014) demonstram que os ministros não só se furtam ao dever de cumprirem os prazos regimentais para a devolução do processo à pauta, mas, às vezes, demoram meses ou anos para o fazer, manipulando a agenda da Corte e subtraindo a deliberação em conjunto para se apoderar individualmente do processo.
Ora, qual a segurança jurídica terá um cidadão em que fica à mercê da boa vontade – quando não do interesse político – do ministro para devolver o seu processo?
Registre-se que, a seu turno, por seu advogado, o cidadão possui a obrigação de cumprir os prazos processuais, sob pena das inúmeras consequências negativas da preclusão!
Por fim, no que toca ao descumprimento do Poder Judiciário às normas emitidas pelos demais Poderes, tem-se provocado, também, uma imensa insegurança jurídica, a começar por aquilo que se pode chamar de ausência de uniformização jurisprudencial.
Ou seja, quando o Judiciário abandona as normas – especialmente as do Legislativo – como parâmetro para balizar as suas decisões, haverá em “cada cabeça uma sentença”!
Neste ponto, se esvai a previsibilidade para o cidadão se portar em vida social dentro das normas, na medida em que se torna inviável saber os direitos e deveres.
Não por outra razão que a insegurança jurídica em que vivemos desestabiliza as relações sociais entre os cidadãos e entre eles e o Estado, agravando essa crise jurídica que vivemos.
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