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“Jumbo”: a realidade nua e crua do sistema prisional paulista

Por Diorgeres de Assis Victorio

Mister se faz mencionar que desde o início me propus a escrever sobre o sistema prisional, mas por uma vertente nunca enfrentada, uma ótica que ninguém nunca tinha dada a “cara a bater”: mostrar a realidade do cárcere. É costumeiro vermos diversas pessoas se intitulando como ditos “especialistas do sistema penitenciário” que na verdade não passam de meros “especialistas de gabinetes e de escritórios” (“apenas” devoradores de obras doutrinárias) que nunca compareceram a uma Unidade Prisional sem antes avisar que estavam indo e sempre com aquela velha pergunta: “A cadeia está tranquila?” e se a mesma estiver balançando não comparecem e resolvem marcar a “vistoria” para um outro dia.

Como dizem na cadeia: “Isso é comédia!”. E os presos conhecem muito bem esse tipo de pessoa. Quando uma Unidade está de “Ponta cabeça” (rebelião, mortes ocorrendo, pessoas em cárcere privado e etc.) não aparecem. Não se propõem a comparecer na Unidade quando dos incidentes prisionais.

“Sob a denominação de Incidentes Prisionais estão contidos, na verdade, fenômenos bastante diferentes, nem sempre discerníveis em ocasiões concretas. Dentro do conceito estão contemplados: I) Fugas, evasões e tentativas de fugas; II) Movimentos reivindicatórios; III) Motins e rebeliões” (RIOS, 1998, pp. 16-17).

Meu objetivo como colunista desde o princípio foi romper com essa “cultura impregnada da academia” de muito tecnicismo quanto a cárcere e pouco conhecimento de sua realidade a mostrar, a ensinar. Não saem do círculo vicioso de dizerem que o sistema prisional não funciona, que não há reintegração social e etc. Do que adianta você ligar avisando que tal dia você irá verificar irregularidades no cárcere? Quem você quer enganar com essa prática? Você faz isso para que assim possam ter condições de “esconderem” irregularidades, presos machucados, doentes e etc. e assim você não tenha tanto “trabalho”? 

Já vi pessoas fazendo trabalhos no cárcere onde nós, os agentes penitenciários, é que escolhíamos quem iria ser entrevistado/”estudado”. Estamos diante de um faz de conta! Sendo assim, me propus romper os paradigmas construídos sob a bandeira de verdades absolutas do cárcere, ou seja, desconstruir “teorias”.

A prática e o conhecimento do cárcere é adquirido através de “um método empírico de análise e observação da realidade. A partir do pensamento crítico da realidade fenomênica, o observador científico se insere na própria realidade a ser observada” (SHECAIRA, 2008, pp. 42-43). Pergunto: como podem certos “doutrinadores” se intitularem “especialistas no cárcere” se nunca puderam analisar uma realidade porque nunca observaram a realidade, pois nunca estiveram inseridos na realidade a ser observada? Puro engodo.

Os estudos sobre o cárcere são feitos no dia a dia, e não em um dia ou poucos dias de “avaliações”. É por isso que sempre digo que essa “doutrina” confeccionada nos parlatórios das Unidades Prisionais, nas salas de atendimento das Unidades e nos gabinetes dos ditos especialista (mestres, doutores e etc. do sistema prisional) nunca mostrarão a verdadeira Criminologia e a realidade do cárcere, porque estão mergulhados em um rio muito raso de informações e não poderiam assim se propor a nos dar “conhecimento” do sistema prisional.

Os leitores podem observar que em meus artigos não me proponho a defender a Secretaria da qual faço parte, muito menos defendo servidores dos presídios quando estão errados em seu trabalho, assim como sou a favor dos visitantes dos presos quando os mesmos têm seus direitos desrespeitados. Como dizem na cadeia: “Sou pelo justo” e assim sempre fui conhecido no cárcere. Em suma, havia necessidade de eu colocar os “pingos no Is”.

O presente artigo surgiu quando eu assistia no domingo (30 de outubro de 2015) o programa “Repórter em Ação” com o título: Detenta passa fim de semana com a mãe e entrega bebê que teve no presídio (veja aqui), programa esse que foi transmitido pela Rede Record. Verifiquei algumas “inverdades” divulgadas, inverdades essas que, como eu já disse anteriormente, por pessoas que não conhecem o cárcere, não estão lá no meio dos presos no seu dia a dia. O programa nos mostrava que visitantes reclamavam muito do fato de terem que levar alimentos, roupas, água até para beber e tomar banho dentre outras reclamações.

Bem, desde 1994 eu trabalho junto ao “Setor de Revista de Alimentos” (“Jumbo”). Nas centenas de dias trabalhados lá já presenciei alguns fatos interessantes. Visitantes levam água engarrafadas que compram para beberem e para o preso beber. Durante as revistas eu tenho por hábito dialogar com os visitantes e questiono porque tem esse gasto com água se até nós funcionários bebemos a água da cadeia.

Os visitantes nos dizem que a água da cadeia não presta e que eles não bebem. Esclareço que ela é tratada e etc., mas de nada isso adianta. Verifico que os visitantes entendem que o preso deve ter com ele tudo que ele tinha quando em sua casa quando estava em liberdade e por isso querem levar uma grande quantidade de coisas (sabonetes, perfumes, roupas, tênis caros, todo tipo de frutas e comidas) e nos dizem que eles (os visitantes) não têm e não comem essas coisas no seu dia a dia. Dizem que fazem isso porque os amam.

Eu sempre dizia que isso é louvável, mas que tem certas coisas que não são permitidas adentrar à Unidade por diversos motivos, sempre expliquei o motivo de cada coisa, mas eu sempre ouvia deles: “Meu filho não faz essas coisas, não!” Explicava que o excesso de coisas gerava mercancia na Unidade e que isso gerava dívidas e muitas vezes mortes. Mas eles me diziam: “Meu filho não faz essas coisas, não”.

“Ele sabe que eu comprei isso com muito sacrifício!” De nada adiantava eu tentar explicar os fatos aos visitantes, eles ainda diziam que o filho é inocente, que foi preso injustamente, dentre outras coisas. Quanto ao fato de ter sido mostrado na Record que na Unidade não tinha água e que a desligavam, esclareço que na Unidade onde trabalho atualmente já teve caso de quebrar a bomba que mandava água para os Raios e tivemos que solicitar água com o auxílio de caminhões “Pipas”. Nisso pedíamos compreensão da população para não gastar tanta água em razão dos fatos. Parecia que não nos ouviam: aproveitavam para lavar as celas e etc. e acabavam com a água e depois não queriam entrar para a cela. Tudo proposital para terem mais tempo de banho de Sol. 

Em razão da magnitude do tema darei continuidade ao artigo na semana que vem, onde mostrarei outras realidades desses fatos.


REFERÊNCIAS

RIOS, José Arthur. Motins em prisões: Seus fatores e possibilidades de preveni-los. In: Revista do ILANUD, n. 09. São Paulo. 1998.

SHECAIRA, Sergio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 42-43.

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Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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