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Nem circo, nem teatro: o Júri como arena da retórica

Nem circo, nem teatro: o Júri como arena da retórica

É bastante comum que advogados criminalistas que atuam como tribunos do Júri, escutem que estão fazendo parte de um “teatro” ou mesmo de um “circo”. De fato, o rito do Júri, envolto em seus simbolismos e procedimentos bastante peculiares, pode causar essa impressão equivocada em observadores pouco atentos. Contudo, tal rótulo serve apenas como mais um indicativo da importância de tal instituição enquanto arena do debate democrático.

Ao “jogar o jogo” do Júri, o bom defensor sabe que precisará convencer, persuadir. Precisará criar um mínimo de empatia com os sete membros do Conselho de Sentença, para que possa atrair suas atenções, fazendo com que apreciem o caso com cuidado e disposição.

E “convencer” aqui, não no sentido de que a história apresentada pela defesa é sempre a mais fantasiosa e inventiva, mas sim que de que o advogado precisará ganhar a confiança dos jurados, para que eles ao menos parem para refletir sobre o outro lado da história, não tendo a versão apresentada pela promotoria como tão absoluta.

E a maior ferramenta que o tribuno tem, nesse sentido, é a retórica. Definida como a arte de falar bem, de se comunicar de modo claro, transmitindo ideias com convicção, a retórica, muitas vezes, é o que separa um julgamento ganho de um perdido.

Obviamente, o plenário é sim palco de embates jurídicos. De sustentação de teses refinadas, com sofisticados embasamentos doutrinários e debates profundos sobre a interpretação dada a certos fatos à luz do direito penal. Contudo, não se pode ignorar que todo esse estudo jurídico feito sobre o caso resta prejudicado se não for satisfatoriamente relatado àqueles que serão os responsáveis pelo julgamento.

Ao contrário do juiz togado, que está acostumado com o cotidiano forense e possui quase que um “olho clínico” para julgar as questões submetidas a seu crivo, os membros do Conselho de Sentença, na imensa maioria das vezes, não possuem tanto domínio sobre os fatos que lhes são apresentados.

Concretizando a previsão constitucional de que os jurados representam “o povo”, e que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida será feito por “semelhantes”, o que se percebe é que os Conselhos de Sentença são geralmente compostos por pessoas comuns, que exercem ofícios diversos na sociedade e possuem pouca ou nenhuma relação com o direito.

E que além de não possuírem conhecimento técnico, estão imersas em suas pré-concepções leigas sobre o fenômeno do crime, o que muitas vezes implica em uma relação próxima com a cultura punitivista típica de nossa sociedade.

Por isso, diante do orador, daquele responsável por apresentar a tese defensiva aos jurados, se percebe uma dupla missão: a de, em primeiro lugar, estudar o processo e construir uma interpretação sólida e clara dos fatos, e depois, a de ultrapassar a barreira que se faz presente entre o caso concreto e o conhecimento leigo dos jurados. E esse segundo passo, no caso do Júri, é possibilitado majoritariamente pela retórica.

Há aqueles que chamam os jurados nominalmente, na intenção de criar algum nível de aproximação; aqueles que se valem de um tom de voz mais elevado, tentando chamar atenção dos que ouvem; e mesmo aqueles que capricham em suas expressões corporais e faciais.

O bom tribuno pode sim se valer de tais instrumentos para expor seu raciocínio, o que não diminui, de modo algum, a importância de seu papel enquanto operador do direito. Os advogados de defesa não entram em plenário para concorrer ao prêmio de melhor performance dramática, tentando conseguir o que querem simplesmente “no grito”.

A intenção do causídico é justamente no sentido contrário, buscando se aproximar dos jurados não através de meros discursos, mas de explicações claras sobre temáticas penais complexas – como a legítima defesa, a diferença entre uma tentativa de homicídio e um crime de lesão ou mesmo as distinções entre o autor e o partícipe em um delito.

Justamente por essas razões é que, por diversas vezes, assistir a boas sustentações defensivas quase que equivale a frequentar aulas em uma faculdade de direito: explicações didáticas, exemplos concretos e amparo em textos legais fazem parte da fala do defensor que pleiteie conquistar a atenção dos jurados de modo pleno, fazendo com que entendam de fato o que estão julgando.

Portanto, dizer que o Júri é o espaço no qual os advogados fazem teatro para ganhar causas é uma crítica rasa e bastante desconectada da realidade concreta.

O que o rito do Júri exige, em verdade, é que o tribuno dê um passo além em relação a seus colegas que limitam-se a apresentar peças escritas: que dê a cara à tapa, se coloque diante dos jurados de modo franco e claro, e valendo-se da linguagem, da retórica, consiga se fazer entender, contar a versão da história que possibilite ao jurado, a despeito de seu desconhecimento técnico, alcançar a compreensão da problemática essencialmente jurídica que se coloca diante de seus olhos.


Assina este texto: Mariana Valentim

Iuris Trivium

Grupo de simulação, pesquisa e extensão em Tribunal do Júri (UFPR)

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