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Lava Jato reacende debate sobre os riscos no exercício da advocacia criminal

Por Cezar de Lima

Um novo reality show está prendendo diariamente as atenções dos brasileiros. A operação Lava Jato é narrada com todos os detalhes pelos veículos de comunicação, de modo que as grandes redes de notícias disputam “a tapas” matérias exclusivas envolvendo os desdobramentos das investigações.

Nessa disputa por matérias bombásticas, o Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculou uma entrevista que foi assunto nas últimas semanas. O telejornal informou com exclusividade que a advogada, especialista em delações premiadas, resolveu deixar os casos que atuava na Lava Jato devido a ameaças veladas que estava recebendo nos últimos tempos.

Além disso, a causídica, que inclusive chegou a abandonar a profissão, foi convocada pela CPI (comissão parlamentar de inquérito) da Câmara dos Deputados para, dentre outros temas, justificar a origem dos valores recebidos a título de honorários pagos pelos seus antigos clientes no processo da Lava Jato.

Não é de hoje que existe a discussão quanto à origem dos honorários recebidos pelos advogados, em especial aos que militam na área criminal.  Entretanto, esse debate voltou com força a partir da nova redação do art. 9.º, XIV, da Lei 9.613/1996, que incluiu os advogados entre as pessoas que, em decorrência de sua atividade principal ou acessória, eventual ou permanente, têm o dever de notificar as atividades suspeitas de lavagem de seus clientes às autoridades competentes.

Segundo a disposição legal, o não cumprimento da regra pode ensejar sanções administrativas para o advogado, além da participação por omissão no crime de lavagem de dinheiro praticado por terceiro, no caso, seu cliente.

Heloisa Estellita nos ensina que as ligações entre o exercício da advocacia e o delito de lavagem de capitais se da em três pontos: (i) o recebimento de honorários maculados; (ii) o advogado como sujeito obrigado aos mecanismos de prevenção à lavagem; e (iii) a participação (no sentido do concurso de pessoas) do advogado na lavagem de capitais praticada por outrem.[1]

Muito poderia ser dito quanto aos três pontos. Contudo, analisarei apenas o segundo item, até porque o advogado como sujeito aos mecanismos de prevenção a lavagem de dinheiro é fruto de uma não tão nova alteração legislativa – mudança ocorrida em 2012 – e que até o momento paira no campo da incerteza e da insegurança.

A legislação de lavagem de dinheiro (lei nº 9.613/98) estabeleceu regras de “cooperação privada” para combater a prática do delito. Para tanto, elencou um extenso rol de pessoas e instituições que atuam em setores “sensíveis” ao crime, obrigado-as a guardar as informações dos seus clientes e informar as autoridades se algum deles praticou alguma atividade suspeita.[2]

Nesse sentido, questiona-se: seria adequado e compatível com o exercício da profissão obrigar o advogado a cumprir os deveres de prevenção à lavagem de dinheiro? E mais: poderia exigir-se que o profissional de advocacia mantivesse um cadastro atualizado e, além disso, comunicasse operações e suspeitas de seus clientes aos órgãos competentes?

Em um primeiro momento, o Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB se pronunciou sobre o assunto, através de uma consulta, afirmando que nenhum profissional ou escritório de advocacia deve fazer cadastro junto ao COAF e nem divulgar dados sigilosos de seus clientes que lhe forem passados pelo exercício profissional.[3]

Apesar da manifestação do Órgão Especial, ainda não tivemos uma resolução da OAB – nos moldes das que já foram feitas pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade) na Resolução nº 1.445/13, pela SUSEPE (Superintendência de Seguros Privados) na Circular nº 445/2012, dentre outros órgãos – regulamentado essa questão, conforme determina o art. 14, §1º da Lei 9613/98.

Diante dessa ausência de regulamentação específica, não há como responsabilizar os advogados por não atenderem as determinações previstas na lei 9613/98, arts. 10 e 11, pois a regulamentação tem o poder de estabelecer barreiras normativas para se evitar a indevida extensão da imputação aos advogados. Ademais, ainda que estivesse regulamentado, SCHMIDT enfatiza que as resoluções, circulares e etc. só “assumem relevância jurídico-penal após ultrapassarem o filtro de ofensividade exigida pelo ilícito-típico”.[4]

Logo, inexistindo qualquer manifestação formal do Órgão Especial do Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB regulamentando as regras de prevenção à lavagem de dinheiro, não há como imputar ao advogado qualquer participação em crime de lavagem de capitais praticado por terceiro-cliente.

Em suma, ainda que existam manifestações afirmando a incompatibilidade entre o sigilo profissional e algumas obrigações de prevenção estabelecidas na lei 9.613/98, acredito que a questão está longe de ser resolvida e que a criação de figuras distintas entre advocacia contenciosa e advocacia consultiva (em que apenas esta estaria obrigada a cumprir as regras de prevenção) também não iria resolver os problemas e as dúvidas elencadas anteriormente. É necessário fazermos um debate sério para que se crie uma regulamentação que possa dar segurança aos profissionais que desempenham diariamente essa atividade fundamental à administração da justiça.

__________
[1] ESTELLITA, Heloisa. Lavagem de capitais, exercício da advocacia e risco. Disponível aqui. Acesso em: 02 de agosto de 2015.

[2] BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/98, com alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.37.

[3] KNOPFELMACHER, Marcelo. Advogado não tem o dever de denunciar seus clientes. Disponível aqui. Acesso em: 03 de agosto de 2015.

[4] SCHIMIDT, Andrei Zenkner. Direito penal econômico – Parte Geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. P.194

_Colunistas-CezarLima

 

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