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O crime de lavagem de dinheiro na sentença de Lula

O crime de lavagem de dinheiro na sentença de Lula

Há pouco a mídia foi exaustiva em veicular notícias acerca da condenação de Lula (Ação Penal nº 5046512-94.2016.4.04.7000/PR), sentença publicada em 12.7.2017) e demais personalidades políticas no caso do Triplex em Atibaia.

A sentença demonstrou algumas teses defensivas acerca da lavagem de capitais, tal como a ausência de conhecimento dos acusados de lavagem do crime que lhe sustentaria, a infração precedente.

A defesa focou seus esforços, portanto, na caracterização subjetiva da lavagem de capitais, acerca do dolo do agente em praticar as condutas tidas por lavagem. Se o agente não sabia da infração precedente, não poderia estar com intuito de lavar o capital, porquanto não saberia que estava diante de patrimônio sujo.

Acerca do dolo da lavagem devem ser feitos alguns apontamentos. O dolo é composto pelo conhecimento e volição: conhecimento da ilicitude do objeto material e vontade consciente de lhe conferir aparência de licitude.

O dolo de lavagem não é específico, mas genérico, ou seja, o agente não precisa saber da ocorrência da infração específica que gerou aquele patrimônio ilícito, mas tão somente que o patrimônio é de origem ilícita, não necessitando saber qual fora a infração praticada.

O conhecimento do agente deve ser acerca da ilicitude do objeto, não acerca da infração precedente; a ilicitude do objeto é elementar objetiva do tipo penal de lavagem, e não a mera existência de infração penal anterior (visto que tal infração penal precedente por não ser típica ou antijurídica, o que acaba por fulminar a ilicitude do objeto e, por consequência, afastando elementar do tipo).[1]

No item 915 da sentença o magistrado trata da caracterização do delito de lavagem através do dolo eventual e da Teoria da Cegueira Deliberada.

No instante em que o tipo penal de lavagem de capitais demanda que a finalidade da conduta praticada seja de lavagem (integrar o patrimônio ilícito à economia com aparência lícita), percebe-se que só há consumação de lavagem através de dolo direto.

Em resumo, não é necessário o conhecimento específico do agente acerca da infração precedente que gerou o objeto material que está lavando, mas que tinha conhecimento de que alguma infração, qualquer que seja, deu origem aquele patrimônio.

É claro que a depender da infração penal, devido a sua impossibilidade de gerar patrimônio (por exemplo infração de passagem de capital, como sonegação fiscal e evasão de divisas), não haverá lavagem, mas esse tópico fica pra outra ocasião.

A defesa pode estar determinada a atacar a lavagem no seu viés subjetivo, mas não pode esquecer da imensa gama de fundamentos acerca de seu afastamento objetivo, ainda mais considerando as infrações que se reputam precedentes da lavagem, como corrupção e cartel (item 266 da sentença).

Saliento, no que tange ao rol de infrações passíveis de anteceder a lavagem, a impossibilidade do crime de cartel, ajuste de empresas visando eliminar concorrentes ou dominar o mercado, na produção de patrimônio ilícito apto a ser lavado. Afinal, qual o patrimônio que o delito de cartel produz e que o agente estará lavando?

No instante em que há a consumação do cartel, quando as empresas consumaram sua dominação naquele mercado, no caso as empreiteras, qual o patrimônio daí advindo que será lavado?

Percebe-se que não há como estabelecer um valor, a menos que seja toda a receita das empreiteras durante esse período, o que seria absurdo e acabaria por permitir que o Estado confisque toda essa receita como que de proveito de crime (Código Penal, artigo 91, II, b).

Outro delito que se reputa como precedente da lavagem é de corrupção passiva, o qual, diferente do anterior, pode gerar patrimônoi ilícito (a vantagem ilícita, desde que em valores, bens ou direitos).

O problema envolvendo a corrupção encontra-se em outro ponto, no da conduta que fundamenta a lavagem e conduta que fundamenta a infração precedente.

Já no caso do Mensalão havia complexa discussão acerca do concurso aparente de normas na hipótese de corrupção-lavagem, pois a conduta que se reputava de lavagem se mesclava com a própria conduta que sustentava a corrupção, ambas formando concurso formal.

Entretanto, Lula fora condenado por ambos os crime, de corrupção passiva e lavagem de capitais em concurso material, ou seja, o entendimento do magistrado foi no sentido de que uma conduta justificou a lavagem e outra a corrupção (item 918, 1).

Nesse caso, não há grandes construções teóricas a serem feitas, salvo a de que a conduta de lavagem poder ser considerada exaurimento da conduta de corrupção e, estando tal conduta compreendida no iter criminis da infração de corrupção, não há conduta apta a justificar a lavagem através do princípio da consunção.

É claro que a sentença ora sob análise será objeto de recurso para as partes podendo tais fundamentos ainda serem objeto de análise, o que não retira a importância, tanto sob o viés prático-profissional quanto para o viés acadêmico, das análises aqui realizadas.


OBRAS CONSULTADAS

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal Econômico, volume 2. – São Paulo: Saraiva, 2016;

BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro. Aspectos Penais e Processuais Penais: Comentários à Lei 9.613/98, com Alterações da Lei 12.683/2012. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013;

CALLEGARI, André Luís. Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro: Aspectos Criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002;

DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de Dinheiro: Prevenção e Controle Penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

MORO, Sérgio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010.


NOTAS

[1] Sobre o assunto, pesquisar mais acerca da Teoria ou Princípio da Acessorialidade Material Limitada, a qual trata da qualidade do vínculo existente entre o crime de lavagem de capitais e a infração que lhe precede).

Felipe Gabriel Pontes

Advogado (RS)

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