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A legislação ambiental no Brasil

A legislação ambiental no Brasil

Diante de mais um crime ambiental cometido por uma mesma pessoa jurídica, os holofotes estão (ou deveriam estar) em como funciona a legislação que protege o meio ambiente e pune crimes ambientais no Brasil.

Primeiramente, convém ressaltar o óbvio: “meio ambiente” é uma expressão redundante, pois que “meio” e “ambiente” significam exatamente o mesmo. No entanto, a expressão ganhou notoriedade por seu largo uso.

A preocupação com o meio ambiente como um bem jurídico a ser protegido é relativamente recente. A doutrina elenca o meio ambiente como um direito fundamental da 3ª geração. Nesse sentido:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (…) é um direito fundamental, na categoria direito social, qualificado pela doutrina como direito de terceira geração. (…). Cuida-se, pois, de um direito simultaneamente considerado direito social e individual, uma vez que a realização individual deste direito fundamental está intrinsicamente ligada à sua realização social, por isso mesmo considerado transindividual. (DA CUNHA JR, 2014, pg. 1032).

O marco internacional para o estudo da legislação que protege o meio ambiente é a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972. Dessa conferência veio a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano.

Esse documento pioneiro trouxe 26 princípios a serem observados pelos países. O documento ainda prega um desenvolvimento econômico não predatório, que procura preservar os recursos naturais, especialmente os não renováveis: 

Princípio 5:

Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos benefícios de sua utilização.

No Brasil, foi publicada em 1981 a excelente Política Nacional do Meio Ambiente, lei que trouxe conceitos importantes para o estudo do Direito Ambiental, criou os órgãos SISNAMA e CONAMA, estabeleceu objetivos gerais e específicos. Importante ressaltar que antes da edição da PNMA a legislação voltada para a questão ambiental, como por exemplo, o Código de Caça (Lei 5.197/1967), tinha pouca preocupação com a preservação.

Dispõe o artigo 2º da PNMA:

Art 2º – A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: 

I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; 

Ill – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; 

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; 

V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; 

VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; 

VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental; 

VIII – recuperação de áreas degradadas; 

IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação; 

X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Conceitos fundamentais para o Direito Ambiental estão no artigo 3º da PNMA:

Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; (…).

A Constituição de 1988 deu especial relevo à questão ambiental:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

A PNMA foi recepcionada pela Constituição de 1988. A CF, ainda, inovou ao prever a responsabilidade civil, criminal e administrativa da pessoa jurídica em matéria de crimes ambientais, no § 3º do mesmo artigo 225:

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A Lei 9.605/98 estabeleceu a reponsabilidade civil, criminal e administrativa da pessoa jurídica em seu artigo 3º:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato. 

As penalidades previstas às pessoas jurídicas são:

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: 

I – multa; 

II – restritivas de direitos; 

III – prestação de serviços à comunidade. 

Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: 

I – suspensão parcial ou total de atividades; 

II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; 

III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

§1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.

§2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

§3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. 

Como visto, a responsabilidade por crime ambiental é cível, administrativa e penal. Na esfera cível, deve ser buscada a reparação às vítimas de um crime ambiental. Nesse sentido, leciona Marcelo Abelha Rodrigues:

Ao adotarmos esse conceito, estamos entendendo que os danos ao meio ambiente são autônomos e diversos dos danos sofridos pelas pessoas. Obviamente que o fato causador da lesão ao bem ambiental e seus componentes poderá gerar, além desta (difusamente considerada), outros prejuízos sofridos individualmente por particulares, cuja reparação só trará benefícios a pessoas determinadas. É o caso, por exemplo, do derramamento de óleo ocorrido na Baía de Guanabara (…).

Esse dano é ontologicamente diverso do dano que cada indivíduo ou grupo de indivíduos possa ter sofrido em virtude do mesmo acontecimento. Certamente os pescadores poderão cobrar as perdas e danos e lucros cessantes pelas redes estragadas, pelo pescado perdido e pelo que deixarão de ganhar; (…). (RODRIGUES, 2010, pg. 224).

Portanto, a responsabilidade pelo dano pode e deve ser cobrada nas esferas civil, administrativa e penal, pois que a reparação do ambiente degradado não deve ser confundida com a lesão sofrida por particulares afetados pelo crime ambiental.

Por fim, a responsabilidade administrativa é tutelada pelo Decreto 6.514/2008, que veio substituir o antigo Decreto 3.179/99. Diante de críticas, foi alterado em alguns pontos pelo Decreto 6.686/2008.

As críticas ao Decreto 6.514/2008 consistem em que seu objetivo era regulamentar a aplicação da lei 9.605/98, e em muitos pontos o mencionado Decreto traz punições mais rigorosas que a própria Lei. Observe-se que as principais críticas vieram, imagine, do setor ruralista.

Críticas do setor ruralista à parte, é fato que o Decreto 6.514/2008 criou uma situação de dois documentos legais, o Decreto e a Lei 9.605/98, incidindo sobre a mesma conduta. Nesse ponto, a doutrina não chegou a um consenso.

Apesar de inovadora em muitos aspectos, vide a questão da responsabilização da pessoa jurídica, é fato que a lei 9.605 não englobou todos os aspectos referentes às questões ambientais, bem como traz punições brandas. A legislação que protege o meio ambiente é esparsa, carecendo de uma maior unificação dessa matéria, a fim de facilitar sua aplicação pelos atores jurídicos.

De toda forma, o Decreto 6.514/2008 está em vigor, e deve ser aplicado em seu âmbito de incidência.

Aliás, setores da doutrina defendem que, em matéria de Direito Ambiental, o setor administrativo deveria tomar a dianteira na fiscalização e punição. Além da celeridade maior do processo administrativo, que não deixa de observar a ampla defesa, a Administração tem possibilidade de atuar de maneira preventiva, deixando o Direito Penal para atuar em ultima ratio, de maneira repressiva, ou seja, quando o dano já ocorreu.

Enfim, críticas doutrinárias à parte, é fato que o Brasil conta com uma legislação ambiental eficiente em muitos aspectos, formando um sólido arcabouço legal, que deve ser mais estudado e sem dúvida aprimorado, a fim de evitar situações como as ocorridas em Brumadinho e Mariana/MG.


REFERÊNCIAS

DA CUNHA JUNIOR, Dirley da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Bahia: Editora JusPODIVM. 2014.

RAMOS, Maria Carolina de Jesus. CRIMES AMBIENTAIS E A ADMINISTRATIVIZAÇÃO DO DIREITO PENAL. Minas Gerais: Editora Letramento, 2018.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. PROCESSO CIVIL AMBIENTAL. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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