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Legítima defesa putativa

A doutrina penal costuma(va) trazer ao conceito de legítima defesa putativa o fato do autor imaginar estar em estado de legítima defesa, ao se defender de agressão inexistente.

Pois bem: essa posição não é completa, e não parece ser a mais acertada.

Primeiramente, o autor não “imagina” estar em estado de legítima defesa, porque o estado de legítima defesa não pressupõe tal racionalidade prévia e calculada de saber (“imaginar”) que sua conduta, em resposta à conduta do agressor originário, preenche requisitos objetivos elencados na norma penal.

Em segundo lugar, não se trata, o ato do agressor originário (seja qual for), de “agressão inexistente”, mas de agressão real – atual ou iminente! – para a qual o autor desconhece a sua dimensão verdadeira. Afinal, desconhecer a dimensão verdadeira da agressão é dizer diferente de dizer que a agressão inexiste.

Fato é que o estado psíquico do autor está imediatamente convencido, por um conjunto de fatores ou informações ou observações ou sentimentos, que o agressor originário está na iminência ou na atualidade de cometer agressão verdadeira. Se e quando o autor se defende dessa agressão atual ou iminente, mesmo que post factum se confirme que não seria agressão, estava o autor, invariavelmente, em estado de legítima defesa putativa. Putativo, de: suposto, crível, imaginário, aparentemente verdadeiro.

Os tribunais e as salas de cinema estão abarrotados de casos dessa natureza. Canetas, molhos de chaves, garrafinhas e telefones celulares já se passaram, milhares de vezes na história, por armas de fogo proporcionalmente repelidas por autores em estado evidente de legítima defesa putativa! Os autores, se e quando denunciados, foram obviamente absolvidos!

No tempo de Cristo houve uma defesa memorável e exitosa baseada na legítima defesa putativa. Um proprietário de terras, na região de Cafarnaum, matou um ladrão que havia invadido sua casa, à noite. A tese defensiva, proclamada por Simão, veio no sentido de que o autor não poderia ter enxergado se o ladrão estava armado ou não (havendo, no entanto, enxergado “algo” em sua mão), mas que a própria invasão já pressupunha um estado de agressão tal que faria sentido imaginar – ou crer – que o estivesse. Autor absolvido!

É de se imaginar, pois, que numa cena qualquer, determinada personagem seja observada por populares, dado seu comportamento agressivo e suspeito. Em várias ocasiões, tal personagem leva as mãos à cintura, onde se aloca um volume com visível destaque sob a camisa. Na mesma cena, a personagem ameaça pessoas ao redor.

Esse conjunto de informações, como dito, observado pelos populares, passa a circular pelo ambiente: uma pessoa agressiva, suspeita, ameaçadora, com um volume na cintura que aparenta ser uma arma de fogo. Tanto circula a informação que chega aos ouvidos de um policial à paisana, localizado próximo à cena. Por dever da profissão, o policial se apruma e aborda o suspeito. Abordagem padrão.

O suspeito não só renega a abordagem, como leva sua mão à cintura – aquela onde os populares haviam avistado um volume parecido com uma arma (ou que ao menos “imaginaram” ser uma arma, dado todo o contexto fático de agressividade, suspeita e ameaça). Ato contínuo, o policial atira duas vezes no suspeito. Este cai morto de bruços, revelando em sua cintura um telefone celular, e nada mais.

No caso hipotético, o policial à paisana agiu em legítima defesa putativa, repelindo moderada e necessariamente atual e injusta agressão. A agressão é verdadeira, existente, embora o meio não o seja. Estará o policial exculpado por defeito na dimensão emocional do tipo de injusto. Como dito, absolvido!

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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