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Lei contra o abuso de autoridade

Lei contra o abuso de autoridade

A lei contra o abuso de autoridade é um grande avanço e tende a trazer um novo marco à estrutura estatal brasileira, em especial quando diz respeito ao Judiciário brasileiro. 

Antes de tudo, convém esclarecer que, somente quem não leu o projeto de lei anticrime, poderá afirmar que a sua finalidade é frear as investigações dos crimes de colarinho branco (a exemplo da “operação lava jato”) ou até mesmo uma tentativa de retaliação a integrante do Ministério Público e do Judiciário. 

Visão completamente equivocada! Primeiro que de uma breve leitura do Projeto de Lei, observa-se que a sua aplicabilidade é para toda a administração pública direta e indireta, de todos os poderes: Judiciário, Executivo e Legislativo. 

Segundo que a nossa Lei de Abuso de Autoridade data do ano de 1965, ou seja, completamente anacrônica, ultrapassada e engessada, que se torna até difícil a sua aplicabilidade nos dias atuais. 

Está mais do que na hora de operadores do direito serem responsabilizados pelos excessos que cometerem! A lei contra abuso de autoridade não interferirá, nem mitigará que os integrantes do Poder Judiciário possam melhor interpretar a legislação vigente, permanecerá tendo a prerrogativa do seu “convencimento motivado”. 

Salienta-se, portanto, que “interpretar” não é o mesmo que julgar “contra legem” (julgar contra a lei), e isso o Judiciário já vem fazendo há anos, que é legislar. Há doutrinadores que preferem chamar isso de ativismo judicial (Para mim, isso é eufemismo!).

 Juízes e integrantes do Ministério Público precisam ser punidos sim, quando agirem contra legem. Aos operadores do Direito é dada a prerrogativa de interpretar e não legislar. Juízes, quando não querem aplicar uma lei ao caso concreto, basta dizer que a lei é inconstitucional. E nenhuma consequência há para juízes quando a seu bel prazer, decide julgar contrário à lei. 

Mas, vamos a exemplos práticos das centenas de decisões judiciais que são contra legem. Não precisa ser formado em direito para ler e entender que o Código de Processo Penal estabeleceu que o instituto da prisão cautelar deve ser aplicada em hipótese excepcional, ou seja, somente quando as medidas cautelares diversas da prisão forem insuficientes é que se aplica a medida extrema que é a prisão cautelar, ou quando a garantia da ordem pública ou econômica justificarem tal medida. 

A coisa mais comum é encontrar decisões judiciais de prisão preventiva desprovida de fundamentação ou com fundamentação genérica. A maioria das decisões de prisão cautelar é ilegal por dois principais motivos:

a) O Código de Processo Penal estabelece a prisão cautelar como exceção, devendo ser aplicada em caráter excepcional. Na prática, o Judiciário transformou a exceção em regra. Provado disso é que em Alagoas temos 70% da população carcerária como presos provisórios. Exemplo claro de decisão contra lei. Se fosse a intenção do legislador que a prisão cautelar fosse à regra, não viria estabelecido na lei como medida excepcional. Na prática, o Judiciário vem rasgando a constituição federal, desrespeitando o princípio da presunção de inocência, o devido processo legal, cerceando o direito ao contraditório e a ampla defesa. 

b) A segundo: a ilegalidade reside na ausência de motivação, já que a lei estabelece que “a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada”. Motivar para a lei é analisar as circunstâncias do caso concreto para se justificar a decretação da prisão cautelar e não se basear de forma genérica e abstrata: “decreto a prisão preventiva para garantia da ordem pública”. Mas o que é prdem Pública? Por que no presente caso concreto a garantia da ordem pública está em risco? Na prática, 90% das prisões cautelares são ilegais por ausência de fundamentação, violando não só o Código de Processo Penal, mas a própria Constituição Federal que determina que as decisões judiciais sejam devidamente fundamentada e motivada. 

A juíza que determinou a prisão de uma jovem numa cela com mais de 20 homens no estado do Pará, em que essa jovem foi vítima de dezenas de estupro. O que aconteceu com a magistrada? Respondeu algum processo criminal? Se a jovem ingressar com uma ação indenizatória contra o estado, o valor da indenização sairá do bolso da juíza ou do Estado? Saindo do bolso do Estado, quem estará pagando pelo erro da juíza é a nação, quando é ela que deveria ser responsabilizada criminalmente, administrativamente e civilmente. Na prática, levou apenas uma penalidade administrativa de suspensão pelo CNJ.  

Quando um juiz ou servidor público resolve violar a prerrogativa de um advogado no seu exercício profissional, qual é a consequência de violar um direito que está estabelecido numa lei federal? Diuturnamente delegados de polícia negam de forma imotivada e ilegal acesso aos autos de inquérito policial ao advogado, desrespeitando lei federal e a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. 

Diuturnamente integrantes da segurança pública desrespeita a decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o uso de algemas. Na prática, o preso pobre é algemado, o que não acontece com o rico. Qual a consequência para os integrantes de segurança pública? Nenhuma!

Nem mesmo o estado, nem o judiciário, nem qualquer autoridade publica do mais alto escalão é dado o direito de descumprir a lei posta. O que acontece hoje, na prática, é que juízes escolhem a seu bel prazer qual lei irá ser aplicada ou não, indo de encontro a todos os princípios democráticos e republicanos. As nossas leis precisam ser levadas mais a sério. 

E qualquer autoridade pública do judiciário, executivo ou legislativo, que ouse descumprir a lei, incluindo juízes que decidam contrário à lei, devem ser punidos sim. Interpretar não é legislar. O convencimento motivado dos juízes não estará em risco com a aprovação da lei contra o abuso de autoridade.


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Marcelo Rogério Medeiros Soares

Advogado. Consultor jurídico. Professor de Direito Penal e Processo Penal.

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