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O debate acerca da Lei 13.654/2018 e seu reflexo na execução criminal

O debate acerca da Lei 13.654/2018 e seu reflexo na execução criminal

Como já é conhecido, em razão da entrada em vigor da Lei 13.654, de 23.04.2018, o emprego de armas que não sejam de fogo passou a caracterizar apenas a grave ameaça configuradora do roubo, posto que revogado o inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal.

Assim, em casos de apenados com Processo de Execução já formado e definitivo, conforme previsto no artigo 66, inciso I, da LEP e na Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal (“transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”), cabe ao juízo da Execução proceder o afastamento da majorante em questão, haja vista se tratar de novatio legis in mellius, devendo esta retroagir para alcançar o apenado porquanto lhe é mais benéfica.

Entretanto, logo após a promulgação da referida lei, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo enviou recomendação aos órgãos do Ministério Público para que via controle difuso incidental provocassem o Judiciário no sentido de declarar a inconstitucionalidade formal da revogação do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 157, do CP, por suposta violação ao devido processo legislativo.

Embora haja esse esforço coletivo e organizado por parte do Ministério Público em âmbito nacional, desde o início do debate vem se mostrando em estudos e artigos que não há inconstitucionalidade formal na lei, pois ao contrário do alegado, a revogação do referido inciso constava do texto original do Projeto de Lei do Senado 149/15 e, portanto, a matéria foi devidamente apreciada e aprovada nos plenários das casas legislativas. Assim, cai por terra o argumento de que houve indevida inserção de texto na Câmara, tampouco usurpação do poder dos parlamentares.

No que diz respeito à suposta inconstitucionalidade material do art. 4º da Lei nº 13.654/2018, também questionada pelo Ministério Público em alguns estados, vê-se a banalização da invocada Proibição de Proteção Deficiente. Tal vertente do princípio da proporcionalidade, conforme André ESTEFAM (2010, p. 125), “consiste em não se permitir uma deficiência na prestação legislativa, de modo a desproteger bens jurídicos fundamentais”.

Logo, poderíamos falar em ausência de tutela penal ao bem jurídico em questão se a conduta de praticar roubo com arma branca fosse descriminalizada, o que não ocorreu. Como está evidente no texto legal, apenas reformaram-se as causas de aumento de pena do tipo previsto no artigo 157 do Código Penal, excluindo a genericidade do termo “arma”, passando a contar com a especificidade “arma de fogo”.

Ou seja, além de beirar a má-fé em alegar que há uma despenalização na reforma legislativa aqui debatida, ainda não há fundamentação racional – a não ser um populismo histérico-punitivo – para argumentar que os bens envolvidos estão desprotegidos com a novel legislação.

Apenas para fins de argumentação, salienta-se que a diferença de tratamento trazida pela reforma da lei se amolda ao Princípio da Proporcionalidade, posto que, a exemplo de outros casos na própria legislação brasileira, se pune rigorosamente o porte ilegal de arma de fogo (Lei 10.826/03), mas o porte de outras armas é tratado como mera contravenção penal.

Com o perdão de explicar o óbvio, mas diante dos argumentos ministeriais que vemos, é o dever deixar os pontos bem esclarecidos para evitar interpretações distorcidas: as condutas seguem submetidas à punição, a diferença é que serão punidas proporcionalmente diante de sua gravidade.

Por fim, para elucidação, menciona-se que além do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[1] (e outros estados) já estar decidindo, de ofício, pelo afastamento da majorante do emprego de arma branca e aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no mesmo sentido:

RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA.  OFENSA.  NÃO OCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO. ROUBO CONSUMADO. POSSE MANSA E PACÍFICA. DESNECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 1.  O acusado  se  defende  dos  fatos  que  lhe  são atribuídos na denúncia,  de  tal  sorte  que  o  magistrado  não  está vinculado à qualificação jurídica atribuída pela acusação, tendo em vista que no momento da prolação da decisão repressiva, sem modificar a descrição dos  fatos  narrados  na  exordial,  poderá  atribuir-lhe  definição jurídica  diversa, ainda que, em consequencia, tenha de aplicar pena mais grave,  nos  exatos  termos  do art. 383 do Código de Processo Penal. 2.  O princípio da  correlação  entre  a  denúncia  e  a  sentença condenatória  representa  no  sistema  processual penal uma das mais importantes  garantias ao acusado, porquanto descreve balizas para a prolação  do  édito  repressivo  ao  dispor  que  deve haver precisa correlação  entre  o  fato  imputado ao réu e a sua responsabilidade penal reconhecida na sentença. 3.  A Terceira Seção  desta  Corte,  por  ocasião do julgamento do Recurso  Especial  Repetitivo  n.  1.499.050/RJ, firmou entendimento segundo  o qual “consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve  tempo  e  em  seguida  a  perseguição  imediata  ao  agente e recuperação  da  coisa  roubada,  sendo prescindível a posse mansa e pacífica  ou  desvigiada”  (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe 9/11/2015). 4.  In casu, a denúncia descreve a inversão da posse da res furtiva, o que é suficiente para a consumação do crime, em adoção à teoria da amotio ou apprehensio, nos termos da Súmula n. 582 do STJ. 5. Extrai-se  dos  autos, ainda, que o delito foi praticado com emprego de arma branca, situação não mais abrangida pela majorante do roubo, cujo dispositivo de regência foi recentemente modificado pela Lei n. 13.654/2018,  que  revogou  o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. 6.  Diante  da  abolitio  criminis promovida pela lei mencionada e tendo  em  vista o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, de  rigor  a  aplicação  da novatio legis in mellius, excluindo-se a causa de aumento do cálculo dosimétrico. 7.  Recurso provido  para reconhecer a forma consumada do delito de roubo,  com  a  concessão  de  ordem de habeas corpus de ofício para readequação da pena. (STJ. REsp 1519860/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 25/05/2018) (grifo nosso)

Destaca-se trecho do voto do Min. Relator Jorge Mussi no Recurso Especial acima colacionado:

[…] Por outro lado, a pena aplicada ao ora agravado está a reclamar novo ajuste.

Isto porque sobreveio à decisão agravada a promulgação da Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que modificou o Código Penal nos dispositivos referentes aos crimes de furto e roubo. Essa alteração legislativa suprimiu a previsão contida no inciso I do § 2º, do art. 157, que apresentava hipótese de causa especial de aumento de pena relativa ao emprego de arma.

[…] A atual previsão contida no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal, incluído pela Lei n. 13.654/2018, limita a possibilidade de aumento de pena à hipótese de a violência ser cometida mediante emprego de arma de fogo.

[…] Portanto, não se está diante de continuidade normativa, mas de abolitio criminis, na hipótese de o delito ser praticado com emprego de artefato diverso de arma de fogo.

Conforme se extrai dos autos, o réu realizou a subtração fazendo uso de arma branca – faca. Diante desse fato, forçosa a concessão, de ofício, de ordem de habeas corpus, aplicando-se a lei nova, mais benéfica ao acusado, em consonância com o art. 5º, XL, da Constituição Federal, afastando-se o aumento de 1/3 aplicado na terceira fase do cálculo da pena.

Assim, não havendo mais previsão legal para a incidência do aumento de pena quando usadas armas que não sejam de fogo, a majorante em questão deve ser afastada do apenamento daqueles que tiveram suas penas aumentadas em razão da antiga previsão legal genérica, aplicando-se os devidos reflexos na dosimetria da pena e, consequentemente, nas datas de previsão de benefícios (progressão de regime e livramento condicional).


REFERÊNCIAS

ESTEFAM, André. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.


NOTAS

[1] Apelação Crime Nº 70076823954, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friedrich, Julgado em 26/04/2018; Apelação Crime Nº 70076661156, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 25/04/2018.

Ana Luíza Teixeira Nazário

Especialista em Ciências Penais. Advogada criminalista.

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