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Liberdade provisória sem fiança e medidas cautelares

Conforme já abordado em artigos anteriores, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), que é uma lei ordinária, proibiu, de maneira absoluta, a concessão de liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados. Todavia, a Lei 11.464/2007 modificou a redação do inciso II, do artigo 2°, da Lei de Crimes Hediondos trazendo a possibilidade de liberdade provisória sem fiança nos crimes hediondos e assemelhados.

Assim, apesar dos referidos crimes serem, por força do inciso XLIII, do artigo 5°, da Constituição Federal, inafiançáveis, admite-se liberdade provisória sem fiança. O que se veda, portanto, é a possibilidade de concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança.

Rangel (2012, p. 847) diz que a interpretação que se fazia a respeito da proibição da liberdade provisória nos crimes hediondos era teleológica: se o legislador constituinte vedou o mais (liberdade provisória mediante fiança), não seria plausível que o menos (sem fiança) fosse permitido. 

De acordo com o novo texto legal, não resta dúvida de que o juiz poderá conceder ao réu liberdade provisória, fundamentadamente. A supressão da expressão “liberdade provisória” do inciso II e a redação do parágrafo terceiro não permitem outro entendimento acerca da possibilidade da liberdade provisória em crime hediondo, até porque a possibilidade de progressão de regime (parágrafo primeiro), até então vedada, é outro indicativo da adoção da política mais favorável ao réu. (RANGEL, 2012, p .848).  

Nota-se que a liberdade provisória com a proibição de fiança é fruto de delírio legislativo, fundamentado na Constituição da República, que previu a inafiançabilidade, para vários e graves delitos. 

A ideia parece ter sido a proibição de qualquer restituição da liberdade para aquele preso em crime inafiançável. Equívoco manifesto! (OLIVEIRA, 2012, p. 577).  

De acordo com os ensinamentos de Lopes Jr. (2013. p, 183), não existe prisão cautelar obrigatória, de modo que, mesmo sendo o crime hediondo ou qualquer outro inafiançável, poderá o juiz conceder liberdade provisória sem fiança.   

É interessante notar que o legislador, quando pretende dar um tratamento mais rígido ao processamento de algumas infrações, se vale do expediente de vedar a concessão da liberdade provisória.

Desta maneira, havendo prisão, o agente responderia à persecução penal no cárcere, em verdadeira antecipação de pena, suprimindo-se do magistrado, no caso concreto, a aferição da necessidade do cárcere cautelar. É, sem dúvida, uma indevida intromissão do Legislativo nas atividades típicas do Judiciário.

Não estamos diante de uma ciência exata. Um caso não é igual ao outro, nem os presos se equivalem. Vedar por completo a liberdade provisória é conduzir a persecução penal às cegas, fazendo pouco caso da presunção de inocência. .(TÁVORA; ALENCAR, 2013, p. 644).

Diante de um flagrante por crime inafiançável, não estando presente o periculum libertatis da prisão preventiva ou, ao menos, não em nível suficiente para exigir a prisão preventiva, poderá o juiz conceder a liberdade provisória sem fiança, mas com medidas cautelares alternativas com suficiência para tutelar a situação fática de perigo. (LOPES JR, 2013, p. 183).  

De acordo com os ensinamentos de Lopes Jr (2013, p. 191-192), o que não se pode tolerar é a manutenção de alguém preso após o flagrante só por se tratar de crime inafiançável.

Isso é inadmissível, visto que existem diversas maneiras de tutelar uma situação de perigo. A restrição da liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, só por se tratar de crime hediondo, configura execução antecipada da pena.

Ainda segundo Lopes Jr (2013, p. 191-195), diante de um caso concreto da prática de um crime hediondo, o juiz deve analisar o artigo 310 do Código de Processo Penal e, se estiverem presentes os requisitos que autorizam a decretação da preventiva, o juiz deve decretar a preventiva.

Contudo, caso esses requisitos não estejam presentes o juiz deve conceder ao agente a liberdade provisória sem fiança e, considerando a gravidade do fato, deve impor algumas das medidas cautelares diversas da prisão, tais como monitoramento eletrônico, restrição de circulação e proibição de afastamento da comarca ou do país.

Lopes Jr (2013, p. 192-193), ainda sustenta que, a fiança e a liberdade provisória são institutos distintos, ou seja, não se confundem. Assim sendo, quando se veda a fiança, não se está proibindo, necessariamente, a concessão de liberdade provisória.

Em qualquer situação, a inafiançabilidade acaba por impor, para concessão de liberdade provisória, a submissão do imputado a uma ou mais medidas cautelares diversas, mais gravosas do que a fiança, entre aquelas previstas no art. 319 do CPP.

Ou seja, a inafiançabilidade veda apenas a concessão de liberdade provisória com fiança, mas não a liberdade provisória vinculada a medidas cautelares diversas, mais gravosas que mero pagamento de fiança. (LOPES JR, 2013, p 193).    

Em outras palavras, não há impedimento, nem legal, nem constitucional para a concessão das medidas cautelares alternativas à prisão nos crimes inafiançáveis, uma vez que a lei apenas estabeleceu que tais delitos são insuscetíveis de fiança, não dispondo nada a respeito das medidas cautelares alternativas à prisão, que podem colocar os “criminosos” em liberdade, sob certas condições.

Desse modo, um indivíduo acusado, por exemplo, de ter cometido o crime de estupro, após ser preso em flagrante delito, poderá ser beneficiado com a concessão da liberdade provisória sem fiança.

Contudo, o magistrado pode cumular essa liberdade provisória com uma das medidas cautelares alternativas à prisão, tipificadas no artigo 319 do Código de Processo Penal, uma vez que a lei não veda tal possibilidade.   

Conclui-se, portanto que, caso um indivíduo venha a ser preso em flagrante pela prática de um crime hediondo ou assemelhado, o juiz deve analisar o caso, e se a prisão preventiva não se mostrar adequada, o juiz deverá conceder a liberdade provisória sem fiança, mas com alguma das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, conforme a necessidade da situação, uma vez que, não há nenhuma proibição, no que tange, a concessão de medidas cautelares alternativas à prisão para os crimes hediondos e assemelhados.

Por outro lado, não há óbice algum na concessão da liberdade provisória sem fiança e sem alguma das medidas cautelares do artigo 319 do Código de Processo Penal, uma vez que a concessão das medidas cautelares alternativas à prisão devem ser impostas obedecendo-se o binômio: adequação/necessidade.

Não havendo que se falar em aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão para crimes hediondos e assemelhados, única e exclusivamente, em razão da gravidade em abstrato dos referidos crimes.

Assim, o fato de não ser possível a concessão de liberdade provisória com fiança nos crimes hediondos e assemelhados, não implica na obrigatoriedade da aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão, sem que se analise as peculiaridades do caso concreto.


REFERÊNCIAS

LOPES JR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2012.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR,  Rosmar. Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 8. ed. São Paulo: Jus Podivm. 2013.

Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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