Afinal, “líderes” do PCC devem ou não ser isolados? (Parte 2)
Afinal, “líderes” do PCC devem ou não ser isolados? (Parte 2)
Continuando o artigo anterior (leia AQUI), verificamos que o Estado se vangloria pelo fato de as unidades prisionais possuírem bloqueadores de celulares (o Estado de SP está implementando os dispositivos em algumas unidades prisionais). A história nos mostra outra coisa sobre a eficiência desses aparelhos:
No presídio de segurança máxima de Campo Grande, também aparelhado com bloqueador de celular, foram detectados telefonemas de Carlos Henrique da Costa, conhecido como Paraguai, que aparece negociando drogas no Paraguai. A Folha ouviu de integrante do sistema prisional de MS relatos de tecnologia ultrapassada que bloquearia só telefones com tecnologia 3G.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público contra suspeitos de elo com a facção criminosa PCC também destaca interceptações telefônicas de Flávio Henrique Breve, que seria responsável, além de outros crimes, pelo envio de armas para Santa Catarina “como forma de contribuir para a guerra entre facções.
Outro fato muito interessante foi a criação de workshop, onde foram “apresentadas propostas para aperfeiçoamento do Sistema Penitenciário Federal e criados os enunciados, recomendações, manuais de procedimentos e cartilhas produzidas pelo Fórum. Vejamos alguns pontos interessantes sobre o quadro atual dos enunciados e recomendações, tendo em vista que foram realizados setes workshops até o presente momento:
RECOMENDAÇÃO Nº 5 – É recomendável, como boa prática penitenciária, o rodízio periódico dos presos, no âmbito do Sistema Penitenciário Federal, após o decurso de dois anos da primeira inclusão, obedecido o disposto no art. 12 do Decreto n. 6.877/09, não havendo necessidade de reavaliação da inclusão, pelo juiz federal. O DEPEN, no caso, deve obedecer a critérios objetivos e adotar as cautelas necessárias para que no rodízio os procedimentos de reinserção social já em andamento não tenham solução de continuidade. (Editado no I Workshop)
Pergunto-me: de onde tiraram esse estudo referente à “boa” prática penitenciária? De que forma o rodízio periódico dos presos nas unidades federais deve ser feito após dois anos da primeira inclusão? Qualquer pessoa que trabalha no sistema prisional sabe que em um tempo muito menor que esse os presos conseguem se “organizar” e se comunicar dentro da unidade. Acreditar que eles ficam incomunicáveis é o mesmo que acreditar em Papai Noel, dentre outras coisas fantasiosas.
Assim como no caso em que o Estado de SP, por vários meses, teve que disponibilizar vários integrantes das tropas especiais das policias de seu Estado (visando a impedir o resgate do Marcola), não consigo entender como podem imaginar que a guarnição de agentes penitenciários federais (que é bem menor que o aparato policial que SP empregou para impedir o resgate) será capaz de suportar o resgate do Marcola. Afinal, há um prazo de dois anos para se prepararem para resgatá-lo, pois a recomendação número 5 nos informa que ele permanecerá na mesma unidade por dois anos.
Logicamente que o grupo que foi contratado para fazer o resgate com uma quantia módica de milhões de dólares. Teriam despendido dezenas de milhões de dólares com o plano, investindo fortemente em logística, compra de veículos blindados, aeronaves, material bélico, armamento de guerra e treinamento de pessoal.
Afinal de contas, é o que nos informa o Processo Digital nº: 1001186-61.2018.8.26.0050, que versa sobre Transferência Entre Estabelecimentos Penais – Pena Privativa de Liberdade e tem condições de efetuar o resgate nas unidades federais.
Até porque, o Decreto nº 9.708/2019, do atual Presidente da República entendeu que, para manter a Garantia da Lei e da Ordem no Estado do Rio Grande do Norte e no Estado de Rondônia, e para a proteção do perímetro de segurança das penitenciárias federais em Mossoró e em Porto Velho, as Forças Armadas seriam empregadas por um período de 15 dias (período de 13 a 27 de fevereiro de 2019).
Será que essa mesma “boa” prática penitenciária entende que esse prazo de 15 dias é mais que suficiente para levar o grupo que está para fazer o resgate a desistir depois desse período? Será que a boa prática penitenciária informa que o resgate teria prazo de validade? Parece piada isso, mas não é para rir e sim chorar!
Muito interessante é o fato que transferiram o Marcola para Rondônia, mesmo local que a facção criminosa que surgiu em São Paulo e se espalhou pelo país soma no Rio Grande do Norte 798 bandidos, que de alguma forma receberam a informação para ficarem de prontidão, nas ruas, para reagir em solidariedade aos ‘correligionários’ presos em Alcaçuz. Um local que é tão próximo da fronteira (menos de 200 km) não seria mais fácil para resgatá-lo? Ou só eu que consigo enxergar isso?
Os ataques simultâneos registrados em Natal, Belo Horizonte e outras cidades mineiras no fim de semana foram decididos pelo “resumo dos Estados”, os bandidos responsáveis pela facção em cada unidade da Federação, depois de consulta feita à Sintonia dos Estados, setor do PCC que cuida da organização fora de São Paulo.
Será que essa transferência também é oriunda da boa prática penitenciária? Transferir líderes do PCC para um local onde o PCC exerce grande influência, inclusive fazendo ataques? Isso é uma política criminal ou política criminógena? Entendo que há um equívoco. Essas pessoas não sabem o que é bom ou ruim. No meu entendimento essa prática é péssima.
Será que ninguém se lembra que já transferiram os fundadores do PCC e o Marcola para outros Estados e isso não conseguiu impedir sua expansão nem mesmo o desarticulou? Será que é tão difícil entender isso? Essa “cegueira” que assola o nosso país é deveras preocupante, não é mesmo?
Vejamos outro ponto importante:
RECOMENDAÇÃO Nº 11 – Considerando que o Sistema Penitenciário Federal não foi idealizado para receber população carcerária feminina, recomenda-se que mulheres não sejam nele incluídas. (Editado no II Workshop)
Mais uma vez vemos que o Estado ou se esquece da história que SP sofreu com as presas, ou se faz de cego ou está esperando ter algum problema grave no Brasil com as mulheres na prisão, para, somente então, quando talvez não tenha mais controle, venha a tomar providências da tal boa prática penitenciária. Será que eles acreditam que os membros do PCC só são do sexo masculino? É de uma falta de conhecimento ou má fé que não tem tamanho. Vejam só o que a história do PCC nas “cadeias” femininas nos diz:
Além das cerca de 30 presas, o CRP abriga, ainda, nove homens e 66 jovens infratores da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) que foram levados a Taubaté após a rebelião na unidade de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. (…) A primeira mulher a ocupar uma das celas da penitenciária masculina foi a traficante Sônia Aparecida Rossi, a Maria do Pó, em maio de 2000.
Ao meu ver, na verdade, essa política criminal e penitenciária só vai ajudar ao PCC como organização criminosa a implementar o Cartel NarcoSul e fazer com que a organização consiga absorver as facções criminosas das quais está próxima. Até porque, propositalmente ou não, mandaram o Marcola para próximo da fronteira de países da América do Sul.
Bem, vou parando por aqui porque entendo que me fiz por entender. Poderia falar da parte do Direito Penal, do Direito Penitenciário, da Ciência Penitenciária, da Dogmática Penal, das inconstitucionalidades encontradas no tal “plano”, mas preferi falar mais da parte “prática”, da parte histórica de toda essa problemática e assim mostrar que essa tentativa de desmantelar a cúpula do PCC é “história para inglês ver” e está condenada ao fracasso.
Espero que os leitores que ainda estejam “cegos” consigam enxergar uma coisa que é tão fácil de se ver.
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