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Limitação temporal da prisão cautelar: retomada do critério do prazo fixo

Limitação temporal da prisão cautelar: retomada do critério do prazo fixo

O modo de sociedade em que vivemos, marcado pelo gerenciamento diferencial da criminalidade conforme a posição de classe do autor (SANTOS, 1981, p. 51-52), tem transformado o processo penal não para ampliar seu papel de garantia e de limitação do poder punitivo, mas para se tornar, mais e mais, um instrumento eficaz em sua materialização.

A ampliação do direito penal e, consequentemente, o esvaziamento do processo penal que conhecemos, ou, segundo expressão empregada por Alexandre Morais da Rosa, a extinção do processo penal vintage (ROSA, 2016), pode significar, sob a nossa ótica, solidificação de mais um dos excessos em desfavor da clientela preferencial do sistema penal – os marginalizados e selecionados, principalmente no que se refere à prisão cautelar, objeto dessa breve análise sob um aspecto, em certa medida, ignorado: a limitação temporal da medida cautelar.

Uma interpretação dos tratados internacionais de direitos humanos, da constituição e da legislação infraconstitucional, revela que a prisão preventiva deve possuir decerto uma limitação temporal, porquanto se trata de medida cautelar extrema e excepcional, entendimento que encontra ressonância em algumas decisões e posições doutrinárias.

Tanto é assim que a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu artigo 7º, item 5, garante que “toda pessoa presa, detida ou retida […] tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo”, norma de natureza constitucional (a despeito de outros entendimentos quanto isto) que impõe limites temporais à prisão cautelar.

Porém, uma evidência contemporânea é a indeterminação quanto ao regime temporal da prisão cautelar ou sistema para a determinação do prazo máximo desta medida extrema, não possuindo uma regulamentação legal específica sobre isto, como acontece em outros sistemas penais da América Latina e da Europa (SANGUINÉ, 2014, p. 467/468).

No Brasil, a compreensão majoritária no que concerne ao prazo razoável, ao qual se vincula o processo e consequentemente a medida cautelar eventualmente nele decretada, não se trata de “um intervalo de tempo abstratamente previsto na lei, em cuja extensão deveriam ser praticados os atos processuais, sob pena de sua invalidação”, mas, sim, “através da noção de ‘não-prazo’” (SANTOS et al., 2015, p. 60).

Essa noção está consubstanciada no sedimentado, porém indeterminado, juízo de razoabilidade para aferir a limitação temporal da prisão cautelar, critério este que “depende exclusivamente da avaliação [subjetiva e idiossincrática de cada magistrado] da complexidade da causa e da eventual dificuldade para a realização da instrução criminal” (SANGUINÉ, 2014, p. 477).

Afasta-se, portanto, qualquer critério determinado e objetivo como o de prazo fixo para a definição do prazo máximo da prisão cautelar, o qual restou flexibilizado pela noção de razoabilidade.

A indeterminação (cuja razão conjecturamos estar relacionada às funções reais do sistema penal, que bem analisa a Criminologia Crítica) do que seria o prazo razoável permite, com exceção de casos teratológicos, delongar demasiadamente a prisão cautelar: verdadeira contribuição ao processo de encarceramento em massa. Assim sendo, a preferência do maleável critério da razoabilidade à do prazo fixo “facilita a arbitrariedade” (SANGUINÉ, 2014, p. 478).

Tendo como cogente a limitação temporal da prisão cautelar, e buscando reafirmar o critério do prazo fixo, mais adequado aos princípios democráticos, à excepcionalidade da prisão cautelar, aos direitos fundamentais, ademais de propiciar segurança jurídica, deve-se encontrar o significado do direito de razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal) e da prisão cautelar: uma luz em tempos de trevas.

Como se sabe, o artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 12.850/2013, buscando estabelecer limites objetivos para o critério da razoabilidade, estabelece que “a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu”, isso é, trata-se de hipótese de prazo máximo fixo de duração expressamente previsto (SANGUINÉ, 2014, p. 478).

Este critério opera como garantia expressa e cogente da razoável duração do processo e, com isso, da prisão cautelar, compreensão esta que deve ser ampliada para todos os procedimentos (comum e especiais), não apenas na hipótese restritiva de crimes praticados por organizações criminosa. Nesse sentido já se decidiu (Habeas Corpus Nº 70061729869, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em 06/11/2014).

Desta forma, algo que se coloca como necessário ao enfrentamento do encarceramento em massa e ao uso excessivo da prisão cautelar é o restabelecimento do critério do prazo fixo como limitação do tempo da medida cautelar extrema.


REFERÊNCIAS

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A criminologia radical. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1981.

ROSA, Alexandre Morais da. A investigação criminal é o novo palco do Processo Penal. In: Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2016, 8h00. Disponível aqui. Acesso em: 20/07/2017, às 20h38mim.

SANGUINÉ, Odone. Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SANTOS, Rogério Dultra dos (org.). Excesso de prisão provisória no Brasil: um estudo empírico sobre a duração da prisão nos crimes de furto, roubo e tráfico (Bahia e Santa Catarina, 2008-2012). Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL); Ipea, 2015 (Série pensando o direito; 54).

Gabriel Martins Furquim

Especialista em Direito Penal. Advogado.

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