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Como Luiz Gama desvendou o roubo que chocou o Império brasileiro em 1877

Durante a noite, o cofre da alfândega do porto de Santos foi aberto e 185 mil contos de réis foi roubado

No ano de 1877, um intrigante roubo abalou a sociedade do Império brasileiro. Na tarde do dia 16 de fevereiro, um tesoureiro da alfândega do porto de Santos, situado no litoral de São Paulo, encerrou suas atividades, trancou o cofre onde o dinheiro recolhido havia sido guardado e partiu para seu final de semana. Tudo parecia normal até então. Porém, nos dias seguintes, os jornais estamparam manchetes surpreendentes: durante a noite, o cofre havia sido aberto e uma soma exorbitante de 185 mil contos de réis, correspondendo a cerca de R$ 20 milhões nos dias de hoje, fora subtraído furtivamente do local.

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Fonte: G1- Globo

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Quem eram os responsáveis ​​por esse roubo? Um indivíduo ou um grupo? Quem planejou o roubo e como conseguiu abrir o cofre? Tinham a chave necessária para tal? Esses enigmas, semelhantes aos enredos de filmes como “Um Plano Perfeito” de Spike Lee e a série “La Casa de Papel”, foram desvendados por Luiz Gama (1830-1882), um advogado negro e notável abolicionista brasileiro que libertou centenas de escravizados através dos meios legais. Segundo historiadores consultados pela BBC News Brasil, esse episódio do crime é reconhecido como o maior assalto registrado no período imperial brasileiro, que se estendeu de 1822 a 1889.

Um advogado negro e notável abolicionista brasileiro, Luiz Gama, defendeu o principal suspeito do roubo

Luiz Gama defendeu o principal suspeito de roubo, o tesoureiro da alfândega Antonio Eustachio Largacha, um homem branco de origem espanhola. Ele era o único com acesso à chave do cofre de repartição, que continha fundos provenientes das taxas dos cafeicultores. Largacha foi preso sob acusação de apropriação indevida dos valores. A trama incluiu também depoimentos falsos, acusações infundadas, um cofre inglês tido como inviolável, um telegrama enviado de forma suspeita, um empreiteiro influente e uma quadrilha formada por imigrantes alemães. A história completa foi resgatada pelo historiador Bruno Rodrigues de Lima, que lançou volumes das Obras Completas de Luiz Gama, incluindo textos inéditos.

Gama, ao analisar mais de 200 depoimentos, concluiu sua investigação, escreveu e publicou a história em um suplemento pago do jornal “A Província de S. Paulo”, em novembro de 1877. A publicação teve um impacto significativo e, após 45 dias, a Justiça revisou a condenação de Largacha, absolvendo-o e libertando-o da prisão. Essa história revelou uma perspectiva notável sobre Luiz Gama, cuja influência cresce à medida que sua trajetória, muitas vezes esquecida, é redescoberta. O nascido na escravidão que se tornou abolicionista, jornalista, poeta, policial e advogado autodidata se revela como uma figura crucial na interpretação da história do Brasil.

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Fonte: Politize!

O roubo da alfândega de Santos ocorreu em um momento de intensa atividade econômica, com o porto desempenhando papel central no escoamento do café, sustentado em grande parte pela exploração da mão de obra escravizada. A fortuna desviada, resultado direto do sistema que Gama combatia, possivelmente nunca foi recuperada. Assim, esse episódio singular de intriga, investigação e reviravoltas ilustra a habilidade e influência de Luiz Gama, não apenas como advogado, mas como um observador perspicaz da sociedade em que vivia. Sua atuação na resolução desse caso complexo contribuiu para sua confiança como um dos maiores defensores da justiça e da liberdade em uma era de profundas desigualdades.

Fonte: BBC News Brasil

Daniele Kopp

Daniele Kopp é formada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela mesma Universidade. Seu interesse e gosto pelo Direito Criminal vem desde o ingresso no curso de Direito. Por essa razão se especializou na área, através da Pós-Graduação e pesquisas na área das condenações pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Sistema Carcerário Brasileiro, frente aos Direitos Humanos dos condenados. Atua como servidora na Defensoria Pública do RS.

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