Luiz Gama: o maior jurista do Brasil
Em 1921 Walter Benjamin escreveu o ensaio traduzido no Brasil como Crítica ao poder, crítica à violência, em razão da polissemia da palavra alemã Gewalt que pode significar tanto um como outro. Essa polissemia, observará Benjamin, é complementar no plano político, na medida em que Poder e Violência andam juntos. Não por acaso de Weber afirmar que soberano é aquele que detém o monopólio do uso legítimo da violência.
Violência é poder e o poder é violento.
Nessa paisagem, o Direito se encontra arvorado no poder, na medida em que, como bem observa Ricardo Gloeckner, o poderá agirá como força criadora ou conservadora do direito, mais significativamente ilustrada na decisão sobre a vida ou morte e na decisão sobre a liberdade, mas também em tantas outras que poderíamos resumir como o núcleo da dignidade humana.
A partir dessa mise-en-scène, do Direito estabelecido como criado e conservado pelo poder e com os objetivos de criar e conservar este mesmo poder (violência, portanto), paradoxalmente exsurge uma fuga dessa terrível espiral. Como fundamentos supremos o direito costuma se basear, principalmente na ideia de contrato social, liberdade e igualdade, ao menos perante a lei. Dessa maneira, o que vale para Francisco, deve valer para Chico, seja na hora da cacetada, seja na hora em que a ele se autoriza distribuir o cacete.
Ora, na medida em que o Direito é criado para oprimir, é, paradoxalmente, de dentro do Direito que poderemos frear a opressão, afinal a opressão é de poucos, para muitos. Em suma, se existem direitos que protegem esses poucos em face dos oprimidos, vez que outra os respingos dessa proteção poderão molhar os mais fracos, seja acidentalmente, seja por provocação.
Luiz Gama, o poeta jurista autodidata, rábula mestre dos bacharéis, como poucos soube provocar esse paradoxo da proteção na luta contra a escravidão. Seu trabalho libertou centenas de escravos, seus discursos ecoaram os ventos abolicionistas. Se trata de um homem que sofreu em sua pele, em sua carne, o momento de maior terror do Brasil, a escravidão dos corpos negros.
Também foi o homem que teve força para lutar contra esse poder estabelecido, fazendo uso, para tanto, do direito. Não é com exagero, portanto, que pode ser nomeado o maior jurista do Brasil. É o maior porque sofreu e, ainda assim, teve muitos êxitos em lutar contra a maior tragédia política do Brasil, a escravidão.
Doutor Gama, filme de 2021, disponível na Globoplay, dirigido por Jeferson De e estrelado pelos magníficos Pedro Guilherme, Angelo Fernandes e Cesar Mello, retrata a vida desse grande expoente do Direito e da História brasileira.
Confesso que preciso conhecer mais o trabalho de Gama, o que já estou corrigindo em minha carreira moral/acadêmica, porém me questiono se isso não é uma grande falha do ensino do Direito. Por que aprendemos tanto sobre direito romano, tanto sobre a história do direito europeu, o constitucionalismo estadunidense e tão pouco sobre a História do Direito brasileiro, a nossa jurisprudência histórica, os nossos casos emblemáticos?
Já não basta mais homenagear Doutor Gama com nome de auditórios, nomes de centros acadêmicos, de bibliotecas. Precisamos continuar fazendo isso, mas também nomear as ruas, expor bustos e estátuas e, principalmente, estudar sua vida e obra. O homem que lutou contra escravidão merece ser debatido nas aulas da graduação do curso de direito, merece que pesquisadores sérios levem seus ensinamentos aos futuros juristas.
Passa da hora de aprendermos sobre o maior jurista do Brasil.
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