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Lula e o Direito Penal do Inimigo


Por Bruno Espiñeira Lemos


Nos atuais tempos estranhos em que a democracia é testada ao limite, confesso não nutrir a mesma esperança de Tocqueville. Acredito que sua flexibilidade pode sim ser rompida e a fadiga de material, hoje em termos de Brasil, se faz exposta.

As dores e delícias das leituras dinâmicas fizeram-me deparar com uma denúncia extensa do Ministério Público de São Paulo, firmada, também, por um dos seus membros signatários, que, como já se viu, é um declarado antipatizante de um dos acusados. A denúncia é cansativa (talvez para desanimar a defesa), e apesar das suas 112 (cento e doze) páginas, afigura-se manifestamente INEPTA, quanto ao ex-presidente Lula, sua esposa e seu filho. Até mesmo o famigerado dolo eventual (como tantas vezes tenho criticado em diversas oportunidades) foi usado na tentativa de se imputar o crime de lavagem de dinheiro ao ex-mandatário da República.

Nada obstante o que se afirma, segue-se um pedido de prisão preventiva do ex-presidente Lula, com fundamento principal de que:

“É que os denunciados praticaram inúmeros crimes graves, que geraram prejuízos financeiros vultosos a diversas vitimas, durante alongado período temporal, além de uma organização em quadrilha, o que demonstra que em liberdade poderão continuar delinquindo e prejudicando outras inúmeras vitimas. Presente, portanto, a garantia da ordem pública, consistente na necessidade de se manter a ordem na sociedade.”

Ninguém está acima da lei em uma democracia. O problema é como se interpreta a lei. Mais uma vez, estamos diante de pedidos de prisão preventiva pautados na inconstitucional “gravidade abstrata do delito” e na “garantia da ordem pública”.

Será mesmo que o MP estadual pensou na garantia da ordem pública quando pediu a prisão preventiva (em países civilizados sempre uma EXCEÇÃO) de um ex-presidente da República, em um momento conflagrado do país, sem que houvesse motivação ao menos concreta, dada a visível “abstração” do pleito?

Se cometeu crime, seja João, José, Luiz, Aécio, Sérgio ou Bruno, apure-se e se for o caso denuncie-se. Cabe ao Judiciário garantir um processo sob os auspícios dos direitos e garantias fundamentais e ao final, com serenidade que lhe é obrigatória “diga o direito”.

Não me canso de afirmar como um profeta decepcionado do apocalipse que hoje o pau que é dado em Francisco, amanhã poderá ser aplicado em um filho seu. Flexibilização de princípios tem limite. Não quer saber de dogmática, teorias, garantias, constituição, tratados internacionais e que tais? Tudo bem. Sei que você não é australiano, mas tenha certeza que esse bumerangue um dia atingirá um ponto vital seu.

Devo dizer que a seletividade do processo penal do momento me faz começar a perder as esperanças em um país que, em nome do que quer que seja, historicamente vem consagrando o desumano direito penal do inimigo, segue transformando exceções em regra, flexibilizando princípios constitucionais e convencionais, alicerces do mitológico contrato social, vive sob permanente pauta da opinião publicada que influencia com vigor os incautos, tudo isso me fazendo lembrar que os períodos de aguda crise econômica, sempre foram os férteis e pouco criativos pilares dos regimes autoritários, sob o manto da famigerada “legalidade” ou não.

Marte aqui vou eu!

_Colunistas-BrunoLemos

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