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Luta e cárcere

Luta e cárcere

Sigo pensando na “luta” como instrumento de emancipação social. Isso envolve todos os aspectos da vida, e até mesmo o direito, pois completamente infiltrado na sociedade, como aquela força invisível carneluttiana que sustenta a ponte romana, e que é nada além de força, e por ser força é tudo, sem a qual não há ponte, mas apenas tijolos caoticamente reunidos.

Já disse aqui que o crime pode ser pensado como produto da luta por reconhecimento. A concepção é hegeliana: vem do trabalho que dignifica e liberta, convertendo coisa em sujeito (escravo) agora capaz de reconhecer o sujeito pretensamente dominante (senhor).

Muito de economia política reside nessa passagem, e vai tanto para Marx, potencializado (da luta por reconhecimento para a luta de classes), quanto para a nossa Constituição Federal em vigor (a dicotomia fundamental do art. 170: trabalho versus empreendedorismo).

Pois, como também já dito aqui, num sistema que propicia a apropriação dos meios produtivos por uma só classe, não há lugar para o trabalho originário e libertador; só resta o trabalho dependente, e o detentor dos meios de produção emite as regras do jogo consagrando uma ordem legitimada pela ordem jurídica (o “direito do trabalho”), especialmente aquela que intenciona proteger a propriedade privada, fazendo lei penal (vide o índice dos Códigos Penais modernos: a imensa maioria das tipificações dizem respeito à proteção da propriedade).

Por isso pensei numa ampliação da luta por reconhecimento (e da consequente luta de classes), da sociedade para o cárcere. Por isso a conclamação aos encarcerados do mundo todo… O sentido revolucionário do discurso é precisamente o de mudança de modelo.

Pois é isso a revolução: a alteração estrutural de um modelo, a partir da crise ou da renúncia expressa de suas características, que não mais se coadunam com os interesses ou viabilidades da sociedade que as vive.

Parece claro – por qualquer viés que se olhe – que o atual modelo prisional não seja suficiente para o fim a que se propõe. Nem mesmo para um fim moderno (aquele da exemplificação, da “disciplina”).

Talvez sirva muito mais para um conforto pessoal de quem assiste passivo aos programas e séries policiais. Mas não para a conexão da transgressão ao ideal de “justiça” (esse, também, um tópico filosófico complicadíssimo).

Afinal, a relação de dependência do sistema penal sobre o cárcere, ou mesmo da sociedade sobre o sistema penal, pode ser vista na esfera hegeliana (e marxista).

Como já dito, é assim: na infraestrutura econômica, o senhor não venceu o escravo (luta por reconhecimento), porquanto teve que emancipá-lo enquanto sujeito, a fim de, então, ser reconhecido como sujeito dominante pelo escravo (agora sujeito).

Todavia, a tomada de consciência e consequente organização dos escravos – do individual para o coletivo, do reconhecimento para a classe – suscita a revolução. Na fábrica, estão prontas as condições materiais para a revolução. No cárcere, idem.

É a organização do proletariado (e do encarcerado) que faz revolução. Temos visto esses dois acontecimentos. Os movimentos sociais e as organizações faccionadas em penitenciárias são, inevitavelmente, cada uma a seu modo, movimentos revolucionários.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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