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Luta por reconhecimento e abolição do cárcere

Luta por reconhecimento e abolição do cárcere

... estive preso, e me visitastes.
Mt 25, 36

Crime como produto da luta por reconhecimento. O trabalho que dignifica e liberta, convertendo objeto em sujeito agora capaz de reconhecer o sujeito pretensamente dominante, é transformação da natureza bruta.

Mas num sistema que se apropria dos meios produtivos não há lugar para esse trabalho originário e, portanto, libertador. Só resta o trabalho dependente daquele que detém os meios de produção.

E este dá as cartas, prévia e devidamente escolhidas, consagrando uma ordem a que se coaduna toda a ordem jurídica, especialmente aquela que intenciona proteger a propriedade – os tais meios de produção –, fazendo regra punitiva aos seus “transgressores”.

Àqueles pertencentes ao sistema produtivo: a inclusão, nem que baseada num mecanismo de opressão, segundo a tosca dicotomia trabalho humano-livre iniciativa (art. 170 da CF). Aos que não trabalham e não empreendem, resta outro sistema, que não o econômico (capitalista): o sistema penal. Surge a ordem jurídico-penal.

Na persistente base econômica, como o senhor não conseguiu vencer o escravo na luta por reconhecimento, porquanto teve que reconhecê-lo primeiro enquanto sujeito a fim de ser finalmente reconhecido como sujeito dominante, vence na apropriação e expansão do capital, exigindo do escravo (trabalhador) o cumprimento daquelas condições previamente estabelecidas (as cartas escolhidas), que evidentemente beneficiam os seus interesses opressores.

O senhor (burguesia) não contava, porém, com a tomada de consciência e organização dos escravos (proletários) que, vislumbrando a ampliação do capital apenas e tão somente a partir da sua fertilização pelo trabalho, a seu cargo, percebe a guinada da relação de dominação: na realidade, é o senhor que depende do escravo.

A revolução desenhada por Marx e Engels desde o capítulo 1 do Manifesto é uma revolução política, ampliada e parcialmente aplicada durante “o breve século XX”, que muito bem se incorpora numa pretensa revolução jurídico-política e mais especificamente jurídico-penal, para a guinada do cárcere enquanto elemento primordial de pena, na modernidade.

Assim como a classe trabalhadora se conscientizou do seu primordial grau de importância no processo produtivo, aliás, vital para a continuação do sistema capitalista, os encarcerados se conscientizaram de sua vital importância para a manutenção do sistema carcerário, e assim como os trabalhadores, se organizaram.

O crime é da natureza humana! Pura ingenuidade ou tolice é defender, ao menos nessa vida ou, no mínimo, nesse modo econômico em que estamos metidos desde o séc. XVI, a erradicação do crime. E no modelo punitivo atual, o cárcere é a regra. Todavia, não há presídio sem preso. E não há preso sem crime.

Uma perpetuação linear que parece ratificar toda a estrutura punitiva e, como não – na idêntica pretensão do sistema econômico –, ampliar a população carcerária, rumo à impossibilidade do Estado, à consequente privatização dos presídios e, finalmente, à commoditiezação do preso (sobre esse último tema eu já havia desenvolvido aqui uma ideia preliminar).

O grito de conclamação de Marx e Engels no encerramento do Manifesto é supedâneo à dos presos do mundo todo: uni-vos! No prol de libertação a partir da tomada de consciência e organização revolucionária dessa verdadeira classe que merece a mesma distinção dos oprimidos de outrora, os escravos, os servos, os trabalhadores.

Insisto: cadeia não faz mais sentido histórico! Somos inteligentes e criativos o suficiente, em pleno tecnológico século XXI, para pensar um novo modelo de punição, enquanto ainda houver punição.


De Palmas, TO. Texto dedicado às e aos estudantes do curso de Pós-graduação em “Estado de Direito e Combate à Corrupção”, da Escola Superior da Magistratura Tocantinense – ESMAT, com meus cumprimentos e agradecimentos pelo belíssimo debate da semana que passou.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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