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Manifestação de jurado e soberania do júri

Manifestação de jurado e soberania do júri

Após publicação da sentença absolutória, o Ministério Público recorreu suscitando nulidade absoluta porquanto um dos jurados havia postado, no dia seguinte ao júri, a sua satisfação quanto ao resultado (absolvição do acusado), declinando, ainda, “ter conseguido mais uma absolvição”.

Imediatamente eu me lembro do filme “O júri” – em que um jurado se infiltra no Conselho de Sentença para manipular o resultado contra poderosa indústria norte-americana. Mas, Hollywood à parte, voltemos ao júri brasileiro, real e presente.

O comando normativo é cristalino quanto à manifestação prévia de jurado acerca do julgamento a ser realizado. Veja-se: “Não poderá servir o jurado que […] tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado” (art. 449, III do CPP).

Em primeiro lugar, é de se dizer que manifestação de mero contentamento publicada por jurada a posteriori não se amolda à norma proibitiva. A publicação a posteriori de qualquer manifestação – num sentido ou noutro – não encontra qualquer inibição legal. Aliás, muito pelo contrário, está amparada na garantia fundamental insculpida pelo art. 5º, II, IV, VIII e IX da CF.

Em segundo lugar, é de se evidenciar que os jurados não são robôs. Cada sessão de júri contém um conjunto de sentimentos e emoções próprias à lida com a vida e a liberdade humana! Qualquer júri, em particular, traz a plenário um acontecimento trágico.

Se um jurado se convence da tese defensiva, que para além do mérito apresenta uma série de argumentos garantistas, e publica em redes sociais pura e simplesmente o seu contentamento por ter contribuído com a JUSTIÇA, sua satisfação em haver absolvido um inocente, dizer, enfim, um jurado, que está “feliz com o resultado” não é manifestar-se previamente pela absolvição do réu; dizer um jurado que conseguiu “mais uma absolvição” não é dizer previamente que está propenso a sempre absolver.

Nesse caso, o contentamento do jurado se dá, evidentemente, porque mais um inocente foi absolvido. Isso, a partir de todos os pontos de mérito (“provas dos autos”), expostos na instrução em plenário e nos debates.

É por isso que a pretensão de nulidade absoluta, nesse particular, não prospera.

Afora isso, nunca é demais aduzir que a anulação de decisão soberana do júri é expediente extraordinário, que não encontra fácil respaldo em nossos Tribunais. É isso o que chamamos e respeitamos como o princípio constitucional da soberania do júri.

É pacífico o entendimento jurisprudencial nesse sentido, e coleciono aqui alguns julgados paranaenses que corroboram tal supremacia.

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - CRIME DE HOMICÍDIO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER - ABSOLVIÇÃO DO CRIME DO ART. 121 DO CP. E CONDENAÇÃO DO DELITO DO ART. 211 DO CP. - IRRESIGNAÇÃO DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO - ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS - NÃO CONFIGURAÇÃO - CONVENCIMENTO DOS JURADOS AMPARADO NO ACERVO PROBATÓRIO QUE OPTARAM EM ACOLHER A TESE DE DEFESA DE LEGÍTIMA DEFESA PARA ABSOLVER O RÉU DO CRIME DE HOMICÍDIO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DO JÚRI - DECISÃO CORRETA - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - AC - 1515737-6 - Irati -  Rel.: Antonio Loyola Vieira - Unânime -  - J. 20.10.2016)

APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO SIMPLES - ABSOLVIÇÃO DO ACUSADO RECONHECIDA PELOS JURADOS - TESE ACEITÁVEL DIANTE DO CONTEXTO PROBATÓRIO - MANUTENÇÃO DO JULGADO - RECURSO DESPROVIDO. Havendo suporte na prova para reconhecer a absolvição, invocada em favor do Acusado, não se cassa o veredicto popular, por manifestamente contrária à prova dos autos, que só é possível quando a decisão for totalmente divorciada do contexto probatório, mas nunca aquela que opta por uma das versões existentes nos autos. (TJPR - 1ª C.Criminal - AC - 1515999-6 - Curitiba -  Rel.: Antonio Loyola Vieira - Unânime -  - J. 20.10.2016)

APELAÇÃO CRIME - JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO - ABSOLVIÇÃO PELO CONSELHO DE SENTENÇA - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - NÃO CARACTERIZAÇÃO - DELIBERAÇÃO DOS JURADOS APOIADA NA MALHA PROBATÓRIA - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - AC - 1421115-5 - Rio Branco do Sul -  Rel.: Naor R. de Macedo Neto - Unânime -  - J. 11.02.2016)

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.RECONHECIMENTO DE LEGÍTIMA DEFESA. INSURGÊNCIA DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. EXISTÊNCIA DE VERTENTE PROBATÓRIA A EMBASAR A VERSÃO DEFENSIVA.ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - AC - 1378613-7 - Araucária -  Rel.: Naor R. de Macedo Neto - Unânime -  - J. 15.10.2015)

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONCURSO DE AGENTES. ALEGADA DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL COM ABSOLVIÇÃO DE UM DOS AGENTES. INFORMANTE. RELATO SEM CREDIBILIDADE. TESE DEFENSIVA POSSÍVEL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DAS DECISÕES DO JÚRI.ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. RECURSO DO RÉU CONDENADO.RECONHECIMENTO DE QUALIFICADORA. ALEGADA CONTRARIEDADE ÀS PROVAS DOS AUTOS. INCLUSÃO POR ADITAMENTO À INICIAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM SUA OCORRÊNCIA. CASSAÇÃO DO VEREDITO. SUBMISSÃO DO ACUSADO A NOVO JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - AC - 1006472-1 - São Miguel do Iguaçu -  Rel.: Naor R. de Macedo Neto - Unânime -  - J. 05.03.2015)

Não há problema legal em manifestação posterior de jurado sobre decisão do júri. Tal manifestação está protegida pela norma processual penal (art. 449, III do CPP), por garantias fundamentais (art. 5º, II, IV, VIII e IX da CF), e pelo princípio da soberania do júri.

André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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