Manter casa de prostituição é crime?
Altamente rentável, a prostituição vem sendo o meio de subsistência de muitas pessoas. Esta não é uma atividade exercida exclusivamente por mulheres – basta ter um corpo que se pretenda comercializar – mas a presença delas é predominante.
Os motivos pelos quais estas mulheres resolvem se submeter à prostituição são incontáveis. Algumas saíram da pobreza extrema, outras precisam ajudar suas famílias, e há aquelas que não passaram por nada disso, mas fizeram da prostituição uma ponte para ter uma vida mais confortável.
Todos os dias, estas mulheres se deslocam para o seu trabalho – apesar da veemente negação da sociedade em reconhecê-la como tal – e se submetem a mais uma jornada de satisfação do desejo de outros.
Em todas as cidades brasileiras – e no mundo – existem inúmeras casas de prostituição, cuidadosamente criadas para todos os tipos e gostos. Ao contrário imaginário comum, que traz conhecimentos novelísticos sobre este assunto, as casas de prostituição funcionam como qualquer outro comércio.
Um cliente interessado em satisfazer um desejo seu – na sua forma mais ampla, não apenas um desejo de cunho sexual – adentra ao local, escolhe alguém e compra um serviço. Este serviço é prestado, pago e o cliente segue o seu rumo.
Quando uma prostituta – ou profissional do sexo – opta por frequentar uma casa de prostituição e não exercer as suas atividades na rua ou sozinha ela não está apenas procurando praticidade, mas também, um fator essencial: segurança.
Não há um processo de filtragem para pessoas que se tornarão clientes desse tipo de serviço. Qualquer um pode ser.
Se atualmente vislumbramos inúmeros casos na mídia de mulheres que sofreram todo tipo de violência em seu âmbito familiar, o que dirá de mulheres que diariamente são estigmatizadas pela própria sociedade?
Partindo deste raciocínio surgiu meu interesse em desenvolver uma pesquisa – ainda em construção – sobre a lógica do mercado da prostituição e como o direito aborda essas questões.
E a primeira questão que surgiu foi: O simples fato de manter casa de prostituição, frequentada por mulheres maiores de 18 anos, que não foram obrigadas e nem influenciadas para tal, é crime?
Comecei a minha análise partindo da leitura do tipo penal previsto Capitulo V – Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual – artigo 229 do Código Penal:
Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
O núcleo do tipo consiste em manter estabelecimento em que ocorra exploração sexual. A exploração sexual é gênero do qual se extrai a prostituição. No entanto, a prostituição em si não é crime no Brasil, sendo inclusive uma atividade reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por meio da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
Entretanto, o legislador, embora não criminalize a prostituta, pretende punir de alguma forma quem a favorece. Um caso famoso na mídia foi do Bahamas Hotel Club no qual o proprietário do estabelecimento foi condenado em primeira instância por manter casa de prostituição, mas absolvido no Supremo Tribunal Federal (STJ).
A questão é que sem as casas de prostituição – ou estabelecimentos comerciais voltados para esta prática – as mulheres prostituídas ficam totalmente desamparadas. Isso porque estas teriam que exercer seu ofício exclusivamente em apartamentos ou casas alugadas, ou ainda pior, nas ruas. O que fariam estas mulheres caso algum cliente resolvesse praticar algum tipo de violência?
Seguindo o entendimento – acertadíssimo – de Guilherme de Souza Nucci (2018) o legislador ao “não visualizar que a marginalização da pessoa prostituída somente traz maiores dramas. Sem o abrigo legal, a pessoa prostituída cai na clandestinidade e é justamente nesse momento que surgem os aproveitadores”.
A existência de um local organizado, com seguranças por toda a parte, acaba se convertendo de certa forma em uma política pública que o Estado não está preocupado em exercer. Além das questões do estigma e preconceito, a prostituição traz inúmeros riscos à própria saúde da mulher pois esta, devida a atividade que exerce, está inevitavelmente mais exposta a doenças sexualmente transmissíveis (DST’s).
Especialistas na área de saúde estimam uma incidência de 5% de infecção pelo HIV entre as prostitutas do país. Este é um dado relevante que deveria movimentar o Estado a elaborar mais campanhas direcionadas a conscientização dessas mulheres da importância do uso da camisinha, por exemplo.
A conclusão que retiro desta breve análise – como disse anteriormente ainda em construção – baseia-se no artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo pela ilustre Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo Dra. Luiza Nagib Eluf,
Crime é manter pessoa em condição de explorada, sacrificada, obrigada a fazer o que não quer. Explorar é colocar em situação análoga à de escravidão, impor a prática de sexo contra vontade ou, no mínimo, induzir a isso, sob as piores condições, sem remuneração nem liberdade de escolha. A prostituição forçada é exploração sexual, um delito escabroso, merecedor de punição severa, ainda mais se praticado contra crianças. O resto não merece a atenção do direito penal. A profissional do sexo, por opção própria, maior de 18 anos, deve ser deixada em paz, regulamentando-se a atividade. A meu ver, com a recente alteração trazida pela nova lei, os processos que se encontram em tramitação pelo crime de “casa de prostituição”, se não envolverem exploração sexual, deverão resultar em absolvição, pois a conduta de manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais configura crime. Os inquéritos nas mesmas condições comportarão arquivamento e muita gente que estava sendo processada se verá dispensada da investigação.
O direito penal não é um instrumento para criar mais estigmas, e sim, um meio para proteger bens jurídicos relevantes para a sobrevivência da sociedade. Utilizar discursos moralistas para justificar a permanência de tipos penais como no artigo em tela não merecem prosperar.
Para finalizar, entendemos ser este um tema polêmico que de fato divide a sociedade, mas não devemos esquecer que as mulheres objeto da nossa discussão são seres humanos, como qualquer outro ser humano, merecendo respeito e acolhimento, assim como todas as mulheres em nossa sociedade.
No mais, sigo com minha pesquisa, em que pese ter ciência de que esta não será uma tarefa fácil.
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