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Produtos com marca falsificada no comércio exterior

Dentre os casos especiais de importação e exportação, compilados no Regulamento Aduaneiro (Decreto Federal n.º 6.759/2009), está o relacionado aos produtos com marca falsificada (artigo 605 e seguintes). A coluna de hoje abordará a regulamentação atinente aos crimes contra as marcas no âmbito do comércio exterior.

Qual a infração e correspondente penalidade? Quando passaria da esfera administrativa para ingressar na seara criminal? Qual o procedimento adotado pela autoridade aduaneira, ao identificar que operações de importação ou de exportação têm por objeto produtos com marca falsificada?

Imaginemos a seguinte situação: um importador traz, para o território aduaneiro brasileiro, várias dezenas de tênis “Nike”, mas que em realidade não são “Nike”: foram fabricados, de maneira quase que idêntica ao produto original, todavia não possuem a originalidade.

Ou o importador que traz pares e pares de bolsas “Louis Vuitton”, que enganariam qualquer comprador (ou compradora) afoito (a) pelo produto, e o consumidor brasileiro acabaria pagando pela marca, sem a ter verdadeiramente.

Ao chegar à Aduana brasileira, o auditor fiscal, no curso da conferência aduaneira, seriamente desconfiado de que se trata de produto com marca falsificada, procede à retenção da mercadoria, nos termos do previsto pelo artigo 605, do Regulamento Aduaneiro. Após, consoante disposto no artigo 606,

“(…) a autoridade aduaneira notificará o titular dos direitos da marca para que, no prazo de dez dias úteis da ciência, promova, se for o caso, a correspondente queixa e solicite a apreensão judicial das mercadorias.”

A partir de então, de duas uma: ou o titular dos direitos da marca toma as medidas cabíveis (há possibilidade de pedido de prorrogação de prazo), ou, então, conforme disciplinado pelo artigo 607,

Se a autoridade aduaneira não tiver sido informada, no prazo a que se refere o art. 606, de que foram tomadas pelo titular da marca as medidas cabíveis para apreensão judicial das mercadorias, o despacho aduaneiro destas poderá ter prosseguimento, desde que cumpridas as demais condições para a importação ou exportação”.

A regulamentação sobre o tema tem por base o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 30/1994 e promulgado pelo Decreto Federal n.º 1.355/1994 (que promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT).

Assim, administrativamente, a autoridade aduaneira irá aguardar a manifestação do titular dos direitos da marca, no prazo assinalado, e, após, desde que preenchidas as demais condições para a continuidade do despacho aduaneiro (que é procedimento, e não ato isolado), dará o aludido prosseguimento.

E criminalmente? Pois bem. A Lei Federal n.º 9279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, dispõe, no artigo 190, que:

Art. 190. Comete crime contra registro de marca quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque:

I – produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte; ou

II – produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Tal dispositivo protege o bem jurídico de interesse privado, qual seja, os direitos relativos à marca. No entanto, alguns Tribunais Regionais Federais pátrios entendem que, apesar da regulamentação dada por tal Lei, nada impede de o importador responder, também, pelo artigo referente ao contrabando, regulado no Código Penal, eis que este último tutela bem jurídico diverso (é pluriofensivo). Nesse sentido:

PENAL. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS FALSIFICADOS. CONTRABANDO. CÓDIGO PENAL, ARTIGO 334. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE MARCA. LEI N.º 9.279 /1996, ART. 190. 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 190 da Lei n.º 9.279/1996, que tutela o direito de marca e dá ensejo a ação penal privada, a importação de produtos falsificados configura o delito de contrabando, previsto no artigo 334 do Código Penal . 2. Recurso provido. (TRF3, Recurso em Sentido Estrito nº 0007048-34.2013.4.03.0000/SP. Relator: Desembargador Federal Nelton dos Santos. Publicado D.E. em 30/08/2013).

No acórdão do caso, que tratava de importação de uma cartela e um rolo de adesivos (selo de autenticidade) com os dizeres “HP Invent Original Toner“, mas que tiveram a falsidade constatada, tem-se como fundamentação, quanto à aplicação do delito de contrabando, do Código Penal, ou do crime da Lei n.º 9.279/1996, a de que

“Os bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras são absolutamente diferentes, sendo o interesse do Estado na proteção da regularidade do comércio exterior no primeiro deles, e o interesse privado do titular da marca comercial, no segundo”.

Já o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em decisão exarada em 2005, na qual se declinou a competência para a Justiça Estadual, entendeu que haveria aplicação do critério da especialidade, pelo qual lei especial (artigo 190, da Lei n.º 9.279/1996) seria aplicada em detrimento de lei geral (contrabando):

PENAL. PROCESSO PENAL. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS FALSIFICADOS. CRIME CONTRA A MARCA. ART. 190, I, DA LEI Nº 9.279/86. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. 1. A conduta perpetrada neste autos relaciona-se à importação de produtos falsificados, tipificada na Lei de Propriedade Industrial, acarretando a competência da Justiça Estadual, uma vez evidenciado, em tese, exclusivamente interesse de particulares. 2. Aplicação do princípio da especialidade para afastar o artigo 334 do Código Penal (contrabando). 3. Declinação da Competência para a Justiça Estadual. (TRF4, ACR 2000.72.08.002032-5, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, DJ 26/10/2005)

O caso que ensejou a decisão acima foi de uma importação de tênis, que, pelo aspecto, seriam falsos. Entendeu-se que

“a conduta atribuída ao réu, consistente na importação de produtos ilicitamente reproduzidos, constitui ofensa à propriedade industrial, tipificada no art. 190, I, da lei nº 9.279/96, aplicando-se o princípio da especialidade como solução para o aparente conflito, uma vez que abrange a mesma conduta do crime de contrabando, efetivada, entretanto, mediante uma importação específica.”

Assim, temos decisões de Tribunais pátrios em dois sentidos: um deles, com entendimento segundo o qual poderia configurar crime de contrabando e, em concurso, crime contra a marca, eis que são bens jurídicos diversos os tutelados pelos tipos penais.

Outro, no sentido de que deveria se aplicar o critério da especialidade, eis que se estaria diante de um conflito aparente de normas e, assim, a especial (crime contra a marca) valeria em detrimento da geral (contrabando).

Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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