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Mary Bell, a criança demoníaca


Por Henrique Saibro


Uma criança brutalmente assassinada por seu algoz experimentado no mundo do crime. Familiares, em luto, se desesperam e vão à televisão clamando por justiça. Enredo infelizmente comum dentro da sociedade violenta e impiedosa em que vivemos.

Mas o caso de hoje é um pouco diferente. Diferente porque, ao invés daquele manequim de assassino estereotipado de crianças, a psicopata da vez é justamente uma criança. E uma criança de apenas 11 anos que assombrou a Grã-Bretanha no século XX.

Mary Bell, também conhecida como “Semente do Mal”, era uma menina de comercial infantil. Possuía um rosto angelical decorado com trancinhas e olhos azuis. Seus traços eram delicados e pueris. Um anjo por fora. Um demônio por dentro.

Criada sob um ambiente hostil, pode-se dizer que a sua monstruosidade foi amoldada de acordo com a atmosfera em que vivia. Filha de uma prostituta mentalmente perturbada, Mary teria sido submetida a abusos inenarráveis. O diferencial de sua mãe era, além de oferecer o seu corpo, disponibilizar a sua filha à clientela.

Foi a partir daí que Mary Bell tornou-se uma predadora de sangue frio. Desde cedo já apresentava sintomas clássicos de psicopatia ao torturar animais e praticar vandalismo. Em maio de 1968 o corpo de Martin Brown, de apenas 3 anos, foi encontrado em uma casa abandonada – ainda com sangue e saliva espumando pela boca.

O cadáver fora descoberto porque Mary, muito entusiasmada, contou à tia do menino, Rita Finley, que havia encontrado seu corpo. Nos dias subsequentes, Mary e sua amiga Norma – provavelmente sua cúmplice –, foram repetidas vezes à casa da tia da vítima, formulando perguntas cruéis como: “você sente falta do Martin?”; Você chora por causa dele?”. Rita, esgotada, expulsou as meninas e ordenou que nunca mais voltassem à sua casa.

Se trocássemos essas duas meninas por dois adultos ou dois adolescentes, certamente estampariam o rol de suspeitos do cometimento do crime. Todavia, como eram crianças, em tese, inocentes, não houve suspeita da autoria criminosa. Ocorre que dois dias depois de encontrado o corpo de Martin, a creche local fora vandalizada por intrusos. Nos escombros a polícia encontrou quatro bilhetes com letras de crianças. Um deles dizia:

We did/ murder/ Martain/ brown/ Fuckof/ you Bastard (nós fizemos/ assassinato/ Martain/ brown/ Vão se foder/ seus bastardos).

Dois meses após o fato, Brian Howe, outro menino de três anos, desapareceu. No momento em que sua irmã mais velha saiu à sua procura, curiosamente Mary Bell e Norma se prontificaram a lhe ajudar a procurar o rapaz. E não é que Mary levou a menina até um terreno baldio onde o corpo da criança fora descoberto entre dois blocos de concreto?!

O menino tinha sido estrangulado e mutilado sexualmente com uma tesoura quebrada que fora apreendida por perto. A letra “M” tinha sido marcada com uma navalha na barriga nua da pobre e prematura vítima. Foi a partir dessas evidências que as suspeitas foram inclinadas para as duas meninas.

No funeral de Brian o inspetor James Dobson ficou observando Mary Bell. Segundo ele, a garota ria e esfregava as mãos enquanto o caixão era levado ao túmulo. Foi quando pensou: “Meu Deus, preciso pará-la, senão ela vai fazer de novo” (SCHECHTER, 2013, p. 65).

Finalmente detida, na delegacia Mary e Norma acusaram uma a outra do homicídio de Brian. As duas acabaram indo ao tribunal. Após nove dias de julgamento, Norma foi absolvida e Mary condenado à prisão perpétua. Especialista a diagnosticaram como “uma psicopata ardilosa e sem remorsos” (idem, ibdem).

A história de Mary não acaba por aqui. O cumprimento de sua pena foi marcado por fugas, relatos de abusos sexuais e relações amorosas na cadeia. Em 1984 recebeu liberdade condicional, engravidou e teve uma filha. Foi expulsa das cidades em que tentava viver ao tomarem conhecimento de sua identidade. Mary Bell está viva até hoje e solta. Sua biografia pode ser adquirida através do livro Gritos no Vazio escrito por Gitta Sereny.

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Henrique Saibro

Advogado. Mestrando em Ciências Criminais. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Compliance.

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