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O Massacre de Aurora: 12 mortos e 70 feridos na estreia de ‘Batman’

O Massacre de Aurora: 12 mortos e 70 feridos na estreia de ‘Batman’

À meia noite do dia 20 de julho de 2012, o Century 16 (em Aurora, no Colorado) estava lotado. Era a estreia do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

Naquela noite, o Cinemark foi palco de um tenebroso ataque: um homem fortemente armado, fantasiado de Coringa, invadiu uma das salas lançando bombas de gás e abrindo fogo contra o público que assistia ao filme.

O CASO

Ao que tudo indica, o ataque foi milimetricamente planejado. James Eagan Holmes, de 24 anos, agiu sozinho e começou a comprar munição pela Internet cerca de quatro meses antes do ataque. Os aparatos utilizados no massacre em Aurora vão desde colete à prova de balas e máscara contra gases até um fuzil.

Na noite de estreia do filme, James comprou uma entrada para a sessão e entrou normalmente junto com os demais espectadores. A fantasia não chamou atenção pelo fato de serem comuns fantasias em estreias de filmes.

Cerca de 40 minutos após o início do filme, o atirador entrou pela saída de emergência, deixando a porta entreaberta, e começou a lançar bombas de gás e efetuar diversos disparos aleatórios. Testemunhas revelam que ao momento do ataque James não esboçava reação, atirava friamente.

Além disso, as vítimas demoraram a perceber o que de fato estava acontecendo, pois o filme de ação contava com diversas cenas de tiros e perseguições com efeitos especiais avançados. Isso levou vários espectadores a acreditar que estavam confundindo ficção com realidade.

Os tiros efetuados na sala ultrapassaram as paredes e atingiram espectadores que assistiam ao filme em outras salas. Ao total, foram 12 mortos e 70 feridos. Dentre as vítimas estava um bebê de três meses, que ficou ferido, e uma menina de seis anos, que faleceu no local.

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A sala de cinema em que o massacre ocorreu

Segundo o jornal The Washington Post, James só não matou mais pessoas porque sua arma travou. Este seria o motivo que o levou até seu carro que estava no estacionamento, próximo a saída de emergência escolhida pelo atirador.  

James foi cercado pela polícia quando caminhava para o seu veículo e não resistiu à prisão. O veículo continha mais armas e munições. Ao que tudo indica, o atirador usaria todo o arsenal para fazer mais vítimas no shopping.

No momento da prisão, James dizia ser o Coringa, o vilão do filme em estreia. Ainda, revelou a polícia que em seu apartamento haviam diversos explosivos programados para acionar em eventual invasão no local.

Logo após sua prisão, a polícia confirmou ser verdadeira a informação passada pelo atirador. Uma equipe especializada em desarmar explosivos evacuou o prédio onde o jovem residia e, com o auxílio de robôs, conseguiu detonar os explosivos sem deixar feridos.

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Especialistas conseguiram desarmar os explosivos na residência de James Eagan Holmes

O ATIRADOR

James Eagan Holmes nasceu em 13 de dezembro de 1987, na Califórnia, em uma família bem estruturada e simples. Filho de Robert Holmes (matemático e cientista) e Arlene Holmes (enfermeira), é o irmão mais velho de Chris Holmes.  

Desde a infância era um garoto introspectivo. Segundo a sua família, nunca se mostrou agressivo ou violento, era tranquilo e bem afeito aos esportes. Tal alegação se confirma pelo histórico acadêmico do jovem, tinha um currículo invejável.

James Holmes se graduou em medicina em 2010 pela Universidade da Califórnia e foi considerado um dos melhores alunos da sala com um GPA de 3.949. Em 2011, iniciou seu PhD em neurociência na Universidade do Colorado, no campus de Aurora.

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Em 2011, James iniciou seu PhD em neurociência na Universidade do Colorado

Segundo sua mãe, Arlene Holmes, o filho pediu dinheiro emprestado para comprar uma casa assim que iniciou o doutorado em Aurora, indicando que tinha planos de permanecer por muito tempo naquele local.

No momento do massacre em Aurora, James residia em um apartamento dentro do próprio campus da universidade. O prédio era habitado predominantemente por estudantes da área da saúde.

James poderia ser descrito como alguém socialmente desajeitado. Sua colega de classe, Hillary Allen, reconheceu que a amizade era complicada às vezes:

Fazíamos parte de um grupo de cientistas, então todos nós éramos bem nerds. Talvez ele fosse um pouco mais estranho que os outros, talvez socialmente mais desajeitado.

A estudante reconheceu que admirava a inteligência de James e o achava bem sucedido e esperto.

O desempenho do jovem era tamanho que ele recebeu uma doação de 21.600 dólares dos Institutos Nacionais de Saúde, de acordo com registros da agência, que foi desembolsado em parcelas de julho de 2011 a junho de 2012. Holmes também recebeu uma bolsa de 5.000 dólares da Universidade do Colorado.

Contudo, nos primeiros meses de 2012, James foi diagnosticado com febre glandular. Seu desempenho na universidade caiu vertiginosamente.

A saúde debilitada, somada a sua dificuldade em socialização, levaram o jovem a enfrentar um momento delicado academicamente, levando-a a abandonar o curso cerca de um mês antes do ataque ao cinema.

Além disso, segundo a mãe de James, o término do relacionamento amoroso com a estudante Gargi Datta abalou muito seu filho. Há rumores de que Gargi é quem teria aconselhado James a buscar auxilio psicológico.

DA PRISÃO ATÉ A SENTENÇA

Na mesma noite do crime James foi preso e levado ao Centro de Detenção de Arapahoe, sendo vigiado durante todo tempo a fim de evitar o suicídio.

No dia 23 de julho, foi levado para uma audiência com o juiz que leu seus direitos e nomeou um defensor público. James manteve-se calado o tempo todo e não olhou para o magistrado.

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Na audiência preliminar, James se manteve calado e não olhou para o magistrado

Em 30 de julho, a acusação indiciou James pelo cometimento de 142 crimes, dentre eles 24 homicídios, 116 tentativas de assassinato e porte de explosivos. Mais tarde, os promotores atribuíram mais crimes ao atirador, totalizando 165 acusações.

Finalmente, em janeiro de 2013, depois de algumas audiências, o juiz do caso entendeu que o atirador deveria responder pelos crimes atribuídos pela acusação. Em março do mesmo ano, os promotores pugnaram pela pena de morte ao acusado.

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Após algumas audiências, o juiz do caso entendeu que o atirador deveria responder por seus crimes

Desde o início, a defesa de James alegou que o acusado tinha distúrbios mentais, o que o tornaria menos culpável. Em razão disso, em 05 de agosto de 2013 James foi transferido para o Instituto de Saúde Mental Colorado em Pueblo, Colorado.

O julgamento de James foi adiado diversas vezes pela defesa, sendo que os jurados somente decidiram a respeito do caso em julho de 2015, reconhecendo as acusações feitas pela promotoria.

Apesar de atribuir a James todos os crimes dos quais fora acusado, os jurados não entraram em um consenso sobre a aplicação de pena de morte ou prisão perpétua.

Ficou a cargo do juiz Carlos Samour Jr, que o sentenciou a 12 prisões perpétuas (uma para cada assassinato), 3.312 anos (por 70 condenações de tentativas de homicídio) e mais 6 anos (pela posse de explosivos), tudo sem direito a liberdade condicional.

O julgamento de James
O julgamento de James Eagan Holmes

Após ler a sentença o juiz foi aplaudido pelo público presente no tribunal e asseverou que:

O réu não merece qualquer empatia. E, por esta razão, a corte impõe a sentença máxima permitida pela lei.

Segundo o canal de notícias americano CNN, em 04 de dezembro de 2015 James foi condenado a pagar restituição no valor de U$ 954.878,95.

Desde setembro deste ano, James cumpre sua pena no Complexo Federal de Correção em Allenwood, Pensilvânia. Sua localização anterior não foi divulgada, mas se estima que o atirador esteja em isolamento até mesmo para evitar represálias dos outros presos.

TRAGÉDIA ANUNCIADA

Muito se especula sobre os motivos que levaram James a cometer tal atrocidade. O jovem de formação acadêmica exemplar e sem antecedentes criminais não tinha, à primeira vista, motivos para cometer tamanha barbárie.

Um dos motivos apontados como causador de tamanha tragédia é o uso do antidepressivo sertralina (conhecido como Zoloft nos EUA), conhecido como um Inibidor Seletivo de Recaptação de Serotonina (ISRS).

O uso do medicamento iniciou-se por recomendação da psiquiatra Lynne Fenton, que atendeu James pela primeira vez em 21 de março de 2012. A médica alega que, mesmo após o início do tratamento com medicação, não vislumbrou melhoras da saúde mental de James, descrevendo em suas anotações:

Pensamento de nível psicótico. Pensamento reservado, paranoico e hostil, sobre o qual não se dá detalhes.

A médica, que se recusa a dar entrevistas alegando sigilo profissional, afirmou em juízo que havia aumentado a dose da medicação por acreditar que aquela quantia seria a ideal para James.

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Muito se especula sobre os motivos que levaram James a cometer tal atrocidade

Segundo David Healy, psicofarmacêutico que foi contratado como perito para defesa de James, em entrevista para o programa investigativo da BBC Panorama:

Essa matança nunca teria acontecido se não fosse pelo medicamento receitado a James Holmes.

Não há um consenso entre os pesquisadores da área para afirmar que os efeitos dos medicamentos ISRS são de fato negativos e causam distúrbios mentais.

Mas se pode considerar que, de certa forma, o argumento de distúrbios mentais, articulado pela defesa de James, teve êxito, haja vista que os jurados e o juiz do caso não o condenaram a pena de morte.

Outro ponto que pode ter viabilizado esta tragédia é a facilidade de qualquer cidadão norte americano adquirir armamento, até mesmo via Internet.

Em maio de 2012 James Eagan Holmes adquiriu uma pistola Glock 22 em uma loja de Gander Mountain, em Aurora, e seis dias depois comprou uma espingarda Remington Modelo 870 em um Bass Pro Shops em Denver.

No começo de junho, após ter falhado em um exame oral na universidade, James comprou rifle semi automático Smith & Wesson M & P15, e uma segunda pistola Glock 22. Além disso, encomendou pela internet um colete à prova de balas, mais de 6 mil cartuchos de munição e diversos carregadores.

Todas as armas foram adquiridas legalmente, o que traz à tona a discussão acerca do porte de arma nos Estados Unidos. Lá o direito do cidadão de andar armado é garantido pela Constituição e em alguns estados há no máximo uma restrição quanto ao tipo de arma que pode ser adquirida ou a necessidade de licença prévia.

VÍTIMAS SÃO CONDENADAS A PAGAR CUSTAS PROCESSUAIS

Sim, você leu corretamente. A justiça dos Estados Unidos condenou as vítimas do massacre em Aurora a indenizar o Cinemark no valor correspondente às custas da ação civil movida pelas vitimas e seus familiares.

A ação civil ajuizada pelas vítimas e seus familiares tinha por fundamento falhas na segurança do local onde o filme foi exibido e a consequente responsabilidade do Cinemark em indenizá-los.

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As vítimas do Massacre de Aurora

Para o juiz R. Brooke Jackson, o Cinemark não falhou, pois o ataque era imprevisível e não havia como deter James preventivamente. Foi uma infeliz fatalidade.

Durante o processo houveram diversas propostas de acordo por parte do Cinemark, que, segundo as vítimas, ofereceu o valor máximo de $ 150.000 dólares no total das indenizações, valor este não aceito pelos autores.

Em razão da não realização de acordo entre as partes e do não atendimento ao pleito indenizatório das vítimas, pelas leis do Colorado, caberá a parte vencida (vítimas) arcar com as custas do processo que estão estimadas em cerca de $ 700.000 dólares.

A sentença que isentou o Cinemark da indenização foi proferida em 2016 e até agora não se sabe se a empresa arcará com as custas em memória às vitimas ou se cobrará delas os gastos tidos com a sua defesa no processo.

Mariana Andrade

Pós-graduanda em Direito Processual. Pesquisadora. Advogada.

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