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O massacre do Carandiru e a necessária reestruturação da Polícia Militar

Quase 24 anos depois de um fatídico episódio que marcou a história prisional e de atuação policial no Brasil, já havendo a condenação de 74 policiais militares pela morte de 111 detentos que estavam reclusos na unidade prisional denominada Carandiru (frisa-se aqui que, em sua grande maioria, tratavam-se de presos preventivos, ou seja, sem qualquer condenação contra si), a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou o julgamento, não se podendo, a partir de então, atribuir a culpa das mortes a qualquer um dos supracitados policiais militares.

A questão que se traça a partir do presente caso (Carandiru) é como se posicionar perante a decisão dos desembargadores quando se é um advogado criminal que de um lado postula a absolvição dos réus quando não há provas suficientes dentro do processo penal, mas ao mesmo tempo condena “ internamente” os policiais militares pela grande carga histórica que carregam quanto a forma de atuação truculenta com que sempre agiram.

Ora, sabemos que, no geral, a sociedade, em sua grande maioria, pugna pelo combate ao crime de forma dolorosa e principalmente, vingativa. De outra banda, existe aquela pequena parte – na qual nos encontramos inseridas – dos que defendem algo próximo de uma prevenção criminal, ou seja, políticas públicas apropriadas de conscientização social que tentam evitar a necessidade de resolução de conflitos em esfera penal, postulando que, em última instância, caso essa ocorra, o acusado se possa valer efetivamente de direitos e garantias necessárias, por entender que a pena de prisão como existe hoje não atua de maneira ressocializante, mas sim como uma espécie de retribuição do mal causado ao indivíduo que o causou, o que evidentemente, dadas as estatísticas, não está causando um efeito positivo.

Quando se tem o segundo posicionamento, mister se faz agir com a mesma cautela ao tratar de casos que envolvam policiais militares, pois eles também são sujeitos dotados da mesma garantia processual, sendo necessário, entretanto, repensar o contexto no qual estão inseridos. É preciso lembrar que estes indivíduos foram treinados “para dividir o mundo entre mocinhos e bandidos. Entre o bem e mal. Aprende isso desde antes de entrar na corporação” (veja aqui).

De fato, é fundamental que o judiciário não apoie condutas como a ocorrida em 1992, para que as mesmas não continuem a ser legitimadas e reproduzidas em outros períodos históricos. Mas é exatamente este órgão que possui o condão de encontrar o mais próximo do que chamamos de verdade real e, assim, agir de forma justa na resolução do conflito apresentado, verificando se é ou não cabível uma condenação criminal.

No caso Carandiru, se os elementos informativos dos autos não se fizeram suficientes para delinear a exata atuação de cada policial militar, igualmente não se faria satisfatório uma sentença apenas com intuito de repressão. Então é crível que, a partir de agora (e ressalta-se que já tardar), a solução é começar a trabalhar a readequação da polícia no contexto brasileiro, suspendendo a “arquitetura institucional arcaica, legada pela ditadura militar” (SOARES, 2015) em que a corporação policial ainda está inserida.

Ou seja, precisamos nos concentrar na reestruturação profunda desta organização, apresentando cidadania a estes envolvidos para que, no futuro, não seja necessário discutir dentro do processo penal a existência de ilegalidades e crimes praticados por policiais militares, pois havendo um quadro humano e não pré-disposto a violência dentro da instituição, os mesmos irão diminuir gradativamente, trazendo inclusive um impacto melhor na relação de confiança com a população, que atualmente sente mais medo do que segurança.


REFERÊNCIAS

SOARES, Luiz Eduardo. Por que tem sido tão difícil mudar as polícias? In: KUCINSKI, Bernardo [et al]. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo: Boitempo, 2015.

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