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Maus-tratos a animais e negligência: possibilidade?

Maus-tratos a animais e negligência: possibilidade?

No presente texto pretendemos analisar o tipo penal relativo aos maus-tratos a animais, com previsão no artigo 32 na Lei Crimes Ambientais (Lei n° 9.605/98). O enfoque será na (im)possibilidade de cometimento do referido crime na modalidade negligente, ou seja, como resultado da inobservância dos deveres objetivos de cuidado.

Em um primeiro momento gostaríamos de ressaltar a necessidade de se examinar o delito de maus-tratos à luz da teoria do crime, pois, apesar da repulsa social que o mencionado delito causa, a responsabilidade penal do agente delituoso não pode exceder os limites da responsabilidade subjetiva, sob pena infringir um dos pilares do axioma de Ferrajoli – nulla poena sine culpa.

Além disso, há de se deixar bem claro que repudiamos qualquer ato de crueldade contra os animais, contudo, como se verá adiante, advogar pelo bem estar animal não implica necessariamente em desconsiderar os ditames nos quais o Direito Penal se edifica.

Partindo-se desta premissa, a análise terá como pano de fundo o julgado do TJ/RS no qual se enquadrou como crime de maus-tratos a morte de mil e novecentas galinhas decorrente da falta de cuidados básicos para com elas.

RECURSO CRIME. CRIME AMBIENTAL. ART. 32, CAPUT E § 2º, DA LEI 9.605/98. MAUS-TRATOS A ANIMAL. TIPICIDADE DA CONDUTA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1- Comprovado que o réu praticou maus tratos contra mil e novecentas galinhas ao deixar de proporcionar-lhes alimentação e água por mais de um dia, bem como ao transportá-las de forma inadequada, causando a morte de diversas aves por esmagamento e sufocamento, impositiva a manutenção da sentença condenatória. 2- Inviável a isenção da pena de multa, cumulativamente cominada para o delito, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71004695359, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 17/03/2014)

Na ocasião, o Tribunal classificou a conduta do agente no crime preterintencional de maus-tratos agravado pelo resultado morte (art. 32, §2, da Lei n° 9.605/98), pelo advento do resultado adicional, qual seja, morte dos animais.

Surgem dois questionamentos: um que será respondido neste escrito e outro que será abordado na próxima semana. A primeira pergunta diz respeito à possibilidade de cometimento dos maus-tratos a título negligente. Já o segundo questionamento é em relação a viabilidade de enquadramento do resultado morte ocorrido a título negligente no tipo penal de maus-tratos agravado pelo resultado morte.

Para responder a primeira indagação se faz necessário tecer alguns comentários sobre a forma no qual o tipo penal de maus-tratos fora estruturado no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais.

Destaca-se, inicialmente, que, antes do advento da resolução de n° 1.236/18 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), havia grande divergência doutrinária acerca do que efetivamente deveria ser considerado como maus-tratos para fins penais, já que o tipo penal se limitava (e ainda se limita) a dizer apenas que quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, doméstico ou domesticados” incorre no crime de maus-tratos, sem ao menos indicar minimamente quais condutas estão abarcadas por cada verbo do referido tipo penal.

Desta feita, na contramão do que está disposto no tipo penal de maus-tratos do Código Penal, o legislador não se preocupou em descrever as condutas caracterizadoras dos maus-tratos aos animais, restringindo-se tão somente a indicar que certas práticas podem recair na citada moldura penal.

Nota-se que o relevo da já mencionada resolução consistiu em estabelecer conceitos para preceitos que necessitavam de complementação. Agora, sabe-se que atos de maus-tratos podem ser praticados tanto por comissão, quanto por omissão. Por outro lado, sabe-se também que atos de crueldade só podem ser perpetrados de forma comissiva; intencional, através de dolo direto. Por último, tem-se ainda que abuso é toda conduta comissiva e omissiva praticada em face dos animais.

Não obstante, é importante mencionar que a citada resolução do CFMV não possui qualquer valor penal, mas serve tão somente como baliza norteadora do que pode vir a ser considerado maus-tratos no âmbito criminal.

Assim, com o delineamento dos conceitos restou demonstrado que para a CFMV os maus-tratos podem ser praticado tanto por ação quanto por omissão. Todavia, no que tange à omissão é importante frisar que somente é penalmente relevante aquela em que o agente tem a ciência e o dever de agir, nos termos do art. 13, §2º, do Código Penal.

Dito isto, percebe-se claramente que o agente que maltrata um animal, seja através de maus-tratos propriamente ditos, seja por meio de atos de abuso ou de crueldade, só incorre no tipo penal supramencionado se a conduta for praticada dolosamente. Sendo assim, a negligência só produz efeitos caso se dê nos moldes do artigo 13, §2º, do Código Penal.

Nesta esteira, é correto afirmar, portanto, que a responsabilização do agente no caso do TJ/RS se deu em conformidade com a lei penal e com o postulado da responsabilização subjetiva, uma vez que, no mencionado caso concreto, a omissão negligente foi penalmente relevante, pois, além de ciência, o réu tinha dever legal (imposto pela Lei dos Crimes Ambientais) de zelar pelo bem estar dos animais que estavam sob sua tutela.

Ante o exposto, conclui-se que a responsabilização penal do agente a título de negligência nos casos de maus-tratos se dá em virtude do artigo 13, §2º, do Código Penal Brasileiro, que implica na subsunção ao artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais. Não havendo que se falar, portanto, em hipótese alguma, em punição a titulo de negligência culposa, em razão da falta de previsibilidade de punição da conduta culposa no crime de maus-tratos.


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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