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A medida de afastamento do servidor público indiciado por lavagem

A Lei n.° 9.613/98 (Lei de lavagem de dinheiro), a partir das alterações trazidas pela lei n.° 12.683/12, passou a contar com o art. 17-D, assim redigido:

Art. 17-D.  Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.

Tal dispositivo, em resumo, permite que servidores públicos que sejam indiciados pela autoridade policial pelo delito de lavagem, sejam automaticamente afastados de suas funções, sem prejuízo de sua remuneração.

O primeiro problema da medida é a definição de indiciamento, que deveria ser um ato formal da autoridade policial, mas na prática não o é.

Sabe-se apenas que “é um ato posterior ao estado de suspeito e está baseado em um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade” (LOPES JR. e GLOECKNER, 2013, p. 431), mas fica evidente que a decisão pelo indiciamento ou não do servidor fica toda a cargo da autoridade policial.

Para além dessa dificuldade inicial, pela automação da medida, não haveria qualquer análise judicial para verificar o caso e avaliar a necessidade de afastamento do servidor (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 373); e por isso, nem mesmo pode ser considerada uma medida cautelar, já que não exige um juízo de necessidade e adequação da medida, na forma como estabelece o Código de Processo Penal.

Ademais, referida medida vai contra o princípio constitucional da presunção de inocência, que visa garantir que ninguém deverá ser culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Isso porque, a medida claramente antecipa uma punição pelo mero fato de o servidor ter sido indiciado pelo delito de lavagem, restando evidente a inconstitucionalidade do referido dispositivo.

Diante disso, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 4911, sob relatoria do Ministro Edson Fachin, proposta em 2013 pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a fim de analisar a constitucionalidade do referido dispositivo legal.

E muito embora existam manifestações na referida ADI, no sentido da constitucionalidade do dispositivo e sob a justificativa de que “o indiciado poderia se utilizar de oportunos artifícios para dificultar a colheita de provas ou obstruir a instrução criminal” (cf. manifestação da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF, fls. 12, nos autos de ADI n.° 4911), entendo que tais fundamentos não afastam a inconstitucionalidade do dispositivo.

Até porque, a alegada “obstrução da instrução criminal” pode ser evitada por meio de medida cautelar efetiva de afastamento das funções públicas, já existente no Código de Processo Penal em seu art. 319, VI e que, inclusive, pode ser decretada pelo magistrado ainda durante o inquérito policial (LOPES JR., 2014, p. 625).

Com isso, desnecessária a previsão do art. 17-D da lei de lavagem de dinheiro, primeiramente pelo fato do referido dispositivo ser uma manifesta violação ao princípio constitucional da presunção de inocência e, segundo, porque a medida de afastamento das funções já é prevista no CPP, podendo ser decretada seguindo os requisitos específicos das medidas cautelares diversas da prisão, conforme art. 282 do CPP (necessidade e adequação).


REFERÊNCIAS

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LOPES JR., Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar no processo penal. – 5. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal – 11. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014.

Ana Paula Kosak

Especialista em Direito Penal e Criminologia. Pesquisadora. Advogada.

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