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Medidas de segurança na execução penal

No tocante à aplicação das medidas de segurança na execução penal, ressalta o art. 97 do Código Penal:

Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§ 1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º – A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

Fundamental ressaltar a importância dos laudos periciais, eis que, com base nas informações prestadas pelos médicos psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos, os pacientes serão internados e cumprirão as medidas de segurança.

O que se observa, em demasiados casos concretos, é a elaboração de laudos com conceitos genéricos e demasiado amplos, o que não deve ocorrer. Isso porque devem ser preenchidos os requisitos do Conselho Federal de Medicina na elaboração técnica dos laudos periciais, devendo seguir o disposto no art. 58 do Anexo I da Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 2056/2013, publicada no DOU de 12.11.2013, Seção I, p. 162-3.

A Lei nº 10.216/2001, conhecida como “Lei Antimanicomial”, fora promulgada após o Movimento Antimanicomial, que ressalta a importância da reforma na política psiquiátrica. O artigo 2º em seus incisos pontua direitos fundamentais aos pacientes que cumprem medida de segurança.

A referida lei é de fato um marco no tratamento das doenças mentais, tento em vista o estigma no tratamento dessas patologias ainda na atualidade. Daniela Arbex, na obra Holocausto brasileiro, retrata a história do maior hospital psiquiátrico de Barbacena, no estado de Minas Gerais, no qual cerca de 60 mil pessoas foram internadas.

As condições de tratamento dessas pessoas foram as mais degradantes possíveis; havia falta de tratamentos terapêuticos, alimentação, local para dormir, falta de materiais de higiene, o que tornava o local extremamente desumano para o tratamento dos pacientes internados.

Os relatos e fotos na obra são chocantes, como refere ARBEX (2019, p. 176):

Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio e inundava o chão do pavilhão feminino. Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão.

Não é à toa que o hospital psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais, fora chamado de Holocausto brasileiro, as condições eram extremamente degradantes e desprovidas de qualquer humanidade.

Outro relato doloroso era a das pacientes grávidas no hospício de Barbacena. Para evitar que machucassem a gestante, as mulheres chegavam a passar fezes na barriga, com o intuito de proteção, conforme trecho (ARBEX, 2019, p. 54):

Assim como a interna Celita Maria da Conceição, ela passou as próprias fezes no corpo durante o período em que esteve grávida no hospital. Questionada sobre o ato repugnante, Sônia justificou: – Foi a única maneira que encontrei de ninguém machucar meu neném. Suja deste jeito, nenhum funcionário vai ter coragem de encostar a mão em mim. Assim, projeto meu filho que está na barriga.

Indico a referida obra para compreender as complexidades no tratamento as pessoas que cumprem medida de segurança, eis que na execução penal, ainda na atualidade, demasiados problemas são observados, falta de estrutura, medicamentos e ausência de tutela do estado são apenas algumas delas.

No tocante aos tratamentos terapêuticos, o provimento nº 08/2014 regulamenta em alguns pontos a Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e modifica o modelo assistencial de saúde mental, com incentivo à política antimanicomial, citada também na recomendação 35 do Conselho Nacional de Justiça.

Sendo assim, quando o paciente for considerado inimputável, deve ser aplicada a medida de segurança na integralidade das ações penais, pois manter concomitantemente ações penais com penas privativas de liberdade e medidas de segurança, seria o mesmo que considerar um indivíduo imputável e inimputável ao mesmo tempo.

No processo penal brasileiro adota-se o sistema vicariante ou unitário, sendo impossível de se executar, concomitantemente, pena privativa de liberdade com medida de segurança, sendo que esta deve preponderar, por se tratar, teoricamente, de medida de caráter clínico, já que o paciente não teria condição de entender o caráter ilícito de sua conduta.

Nesse sentido ressalta BRITO (2019, p. 595):

Outro problema diz respeito ao réu que, em cumprimento de pena privativa de liberdade, é novamente condenado (ou absolvido impropriamente) em outro processo a uma medida de segurança. O correto é que automaticamente a pena que está sendo cumprida seja convertida em apenas uma medida de segurança a ser executada uniformemente. O mesmo se estiver em cumprimento de medida de segurança e sobrevier condenação à pena privativa de liberdade por outro processo, devendo esta também ter sua conversão automática em medida de segurança. Pensamento em sentido contrário estaria ressuscitando o antigo sistema do duplo binário, que, além da execução das duas  consequências, realmente declara que uma pessoa pode ser ao mesmo tempo imputável e inimputável (grifos nossos).

No mesmo sentido há entendimento jurisprudencial:

RECURSO DE AGRAVO. EXECUÇÃO PENAL. SOMATÓRIO DE PENAS. SUPERVENIÊNCIA DE CONDENAÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO COM MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO JÁ OPOSTA AO REEDUCANDO. CONVERSÃO DA REPRIMENDA CORPORAL EM MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. PRÁTICA REITERADA DE CRIMES PATRIMONIAIS PELO REEDUCANDO. TRATAMENTO AMBULATORIAL CONCEDIDO ANTERIORMENTE. PRÁTICA DE DELITO DURANTE O TRATAMENTO. MEDIDA INÓCUA NO CASO EM QUESTÃO. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – 3ª C.Criminal – 0003944-32.2019.8.16.0031 – Guarapuava –  Rel.: Desembargador João Domingos Küster Puppi –  J. 16.05.2019), (grifos nossos).

As doenças mentais não podem ser estigmatizadas; devem ser tratadas da forma correta, com o amparo psicológico e assistencial devido, sendo o ideal e mais indicado os tratamentos terapêuticos, nos termos do artigo 1º, §1º, inciso IV da resolução nº 08/2014, no qual aduz:

Art. 1º – Disciplinar o procedimento para execução, a avaliação e o acompanhamento das medidas terapêuticas, cautelares, provisórias e definitivas, aplicáveis judicialmente à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei no âmbito do sistema único de saúde (SUS).

§1º – Considera-se pessoa com transtorno mental presumido ou comprovado, em conflito com a lei, aquela à qual tenha sido aplicada judicialmente medida terapêutica, com incidente de insanidade mental instaurado e que esteja sob qualquer das seguintes condições:

(…) IV – em cumprimento de qualquer das modalidades de medida de segurança, provisória ou definitiva.

É importante que as medidas de segurança na execução penal, portanto, adequem-se às legislações que regulam os temas, de modo a tratar os indivíduos com patologias ou doenças mentais de forma humana, oferecendo o tratamento adequado, observado as demasiadas injustiças já cometidas na história aos internados em hospitais psiquiátricos e de custódia. Como o relatado por Daniela Arbex, em Holocausto brasileiro: conhecer a história é fundamental para não repetir os mesmos erros.


REFERÊNCIAS

ARBEX, Daniela, Holocausto brasileiro, prefácio de Eliane Brum, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2019.

BRITO, Alexis de Couto. Execução Penal, 5ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

Leia mais:

Demonstração de boa-fé no exercício da defesa


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Paula Yurie Abiko

Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal - ABDCONST. Pós-Graduanda em Direito Digital (CERS). Graduada em Direito - Centro Universitário Franciscano do Paraná (FAE).

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