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Medidas protetivas e medidas socioeducativas

Medidas protetivas e medidas socioeducativas

As crianças que estão em situação de risco pessoal ou social ou cometem ato infracional estão sujeitas a um rol de medidas protetivas, previstas no artigo 101 do Estatuto, sendo elas: a) encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; b) orientação, apoio e acompanhamento temporários; c) matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; d) inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; e) requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; f) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. Já os adolescentes sujeitam-se, conforme prevê o artigo 112 do Estatuto, além das medidas protetivas acima arroladas previstas para as crianças, às seguintes medidas socioeducativas: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional.

As medidas específicas de proteção possuem como característica a desjudicialização, já que poderão ser aplicadas pelo Conselho Tutelar devido ao seu caráter administrativo. Só figuram como exceção a esta regra as medidas de inclusão em programa de acolhimento familiar e colocação em família substituta, pois dependem de ordem ou processo judicial. As medidas protetivas, como o próprio nome legitima, têm cunho educativo e se propõem “a fazer cumprir os direitos da criança e do adolescente por aqueles que os estão violando, sejam eles os pais ou responsáveis, a sociedade ou o Estado” (LIBERATI, 2012, p. 113/114).

No mesmo sentido, MACHADO (2003, p. 206) refere que as medidas de proteção objetivam, precipuamente, a preservação ou a recomposição dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. O artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente regula a aplicação das medidas de proteção, salientando que são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos na mencionada lei forem ameaçados ou violados I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta.

Aqui, ao que parece, identifica-se o definitivo rompimento com a doutrina da situação irregular (já abordada em outra coluna: https://canalcienciascriminais.com.br/direito-penal-juvenil-a-doutrina-da-etapa-penal-tutelar/), considerando que claramente as situações de risco pessoal ou social deixam de incidir sobre crianças e adolescentes, delegando às autoridades públicas e aos familiares o cumprimento na prestação de obrigações positivas que assegurem seus direitos reconhecidos. Além disso, verifica-se a inimputabilidade penal absoluta para crianças abaixo dos 12 (doze) anos de idade, não cabendo medidas coercitivas ou repressivas em razão de sua “má conduta” (SPOSATO, 2013, p. 64).

Examinado o conceito de medidas protetivas, cabe passar à análise das medidas socioeducativas. Tais medidas, conforme esclarece HAMOY (2007, p. 37-56), têm o desígnio de proporcionar, com base na consideração à sua condição de sujeito de direitos, a implantação de um propósito de vida digna, protagonizando uma cidadania de convivência coletiva alicerçada no respeito mútuo e na paz social e com respeito à sua comunidade. Entretanto, KONZEN (2005, p. 63) define como as medidas são compreendidas na concepção do adolescente:

A medida socioeducativa, seja pena ou seja sanção, significa para seu destinatário, a reprovação pela conduta ilícita, providência subsequente que carrega em si, seja a consequência restritiva ou privativa de liberdade, ou até mesmo modalidade de simples admoestação, o peso da aflição, porque sinal de reprovação, sinônimo de sofrimento porque segrega do indivíduo um de seus bens naturais mais valioso, a plena disposição e exercício da liberdade.

Veja-se que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)  regula no § 2º do artigo 19 da Resolução nº 113/2006 os princípios norteadores dos programas de execução de medidas socioeducativas, sendo eles: a) prevalência do conteúdo educativo sobre os sancionatórios e meramente de contenção, no atendimento socioeducativo; b) ordenação do atendimento socioeducativo e da sua gestão, a partir do projeto político-pedagógico; c) construção, monitoramento e avaliação do atendimento socioeducativo, com a participação proativa dos adolescentes socioeducandos; d) exemplaridade, presença educativa e respeito à singularidade do adolescente socioeducando, como condições necessárias no atendimento socioeducativo; e) disciplina como meio para a realização do processo socioeducativo; f) exigência a compreensão enquanto elementos primordiais de reconhecimento e respeito ao adolescente durante o processo socioeducativo; g) dinâmica institucional favorecendo a horizontalidade na socialização das informações e dos saberes entre equipe multiprofissional (técnicos e educadores); h) organização espacial e funcional dos programas de atendimento socioeducativo como sinônimo de condições de vida e de possibilidades de desenvolvimento pessoal e social para o adolescente; i) respeito à diversidade étnica/racial, de gênero, orientação sexual e localização geográfica como eixo do processo socioeducativo; e j) participação proativa da família e da comunidade no processo socioeducativo. Deste modo, percebe-se a intenção do legislador de que durante o cumprimento da medida educativa o adolescente possua o acompanhamento e desenvolvimento adequados para que, ao término da medida, seja positiva sua reinserção (ou até mesmo inserção em alguns casos…) na sociedade.

É de se ressaltar, de qualquer maneira, que o caráter da medida socioeducativa é evidentemente de natureza penal, considerando que desempenha o exercício do poder coercitivo do Estado e acarreta necessariamente uma limitação ou restrição de direitos ou liberdade e, ainda, possui o mesmo papel de controle social das penas (SPOSATO, 2013, p. 66/67). Com isso, assumimos a existência de um direito penal juvenil, que efetivamente responsabiliza o adolescente que comete ato infracional, enfraquecendo alguns discursos que alegam a tal da impunidade.

Me questiono, todavia, se algum desses grandes defensores da redução da maioridade penal já cogitou, em algum momento, lutar pela efetivação das normas supracitadas na Resolução do CONANDA. Seria uma ótima sugestão, mas não garante tantos votos…


REFERÊNCIAS

HAMOY, Ana Celina Bentes. Medidas socioeducativas e direitos humanos. In: HAMOY, Ana Celina Bentes (Org.). Direitos Humanos e Medidas Socioeducativas: uma abordagem jurídico-social. Belém: Movimento República de Emaús; Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA-EMAÚS), 2007, p. 37-56.

KONZEN, Afonso Armando. Pertinência socioeducativa: reflexões sobre a natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Adolescente e ato infracional: medida socioeducativa é pena? 2. ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2012.

MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. São Paulo: Manole, 2003.

SPOSATO, Karyna Batista.  Direito penal de adolescentes: elementos para uma teoria garantista. São Paulo: Saraiva, 2013.

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