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As medidas socioeducativas previstas no ECA

As medidas socioeducativas previstas no ECA

Em tempos de debates eleitorais, surge e ressurge o mesmo assunto: o debate sobre maioridade penal. A idade limite atualmente prevista na legislação brasileira para ser penalmente imputável por conduta típica e antijurídica é de 18 anos:

Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

A legislação especial a que faz referência o Código Penal é o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), com a recente adição da Lei 12.594/2012.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei extremamente abrangente, de cunho mais garantista do que punitivista, sendo aplicável para jovens de até 18 anos. Essa importante lei veio substituir o ultrapassado e punitivista Código de Menores.

Medidas socioeducativas

As medidas socioeducativas são medidas repressivas previstas no Estatuto, aplicáveis para jovens de 12 a 18 anos que cometerem ato infracional.

Estão previstas nos arts. 103 a 128, e também na Seção V, do art. 171 ao art. 190 do ECA. Além do ECA, a Lei 12.594 de 2012 veio instituir o Sinase, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, a fim de regularizar o funcionamento  das unidades de internação.

A definição de ato infracional está prevista no art. 103 do Estatuto:

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

As medidas previstas, a ser aplicadas pelo juiz considerando inúmeros aspectos, principalmente a gravidade do ato infracional, são:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano; 

III – prestação de serviços à comunidade; 

IV – liberdade assistida; 

V – inserção em regime de semi-liberdade; 

VI – internação em estabelecimento educacional; 

VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. 

Não obstante as inúmeras garantias previstas no ECA, a aplicação das Medidas Socioeducativas na prática converteu-se em um Direito Penal Juvenil, com todas as mazelas do sistema prisional para adultos.


Sobre medidas socioeducativas, leia também

  • Medidas protetivas e medidas socioeducativas (aqui)

A própria Lei 12.594, na intenção de regularizar o funcionamento dos milhares de estabelecimentos educacionais, converteu-se em verdadeira LEP para jovens internos, com previsão de visita íntima e regime disciplinar para os internos que cometerem faltas:

Art. 71.  Todas as entidades de atendimento socioeducativo deverão, em seus respectivos regimentos, realizar a previsão de regime disciplinar que obedeça aos seguintes princípios: 

I – tipificação explícita das infrações como leves, médias e graves e determinação das correspondentes sanções;

II – exigência da instauração formal de processo disciplinar para a aplicação de qualquer sanção, garantidos a ampla defesa e o contraditório; 

III – obrigatoriedade de audiência do socioeducando nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar;

IV – sanção de duração determinada;

V – enumeração das causas ou circunstâncias que eximam, atenuem ou agravem a sanção a ser imposta ao socioeducando, bem como os requisitos para a extinção dessa; 

VI – enumeração explícita das garantias de defesa; 

VII – garantia de solicitação e rito de apreciação dos recursos cabíveis; e 

VIII – apuração da falta disciplinar por comissão composta por, no mínimo, 3 (três) integrantes, sendo 1 (um), obrigatoriamente, oriundo da equipe técnica. 

Art. 72.  O regime disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal que advenha do ato cometido.

Art. 73.  Nenhum socioeducando poderá desempenhar função ou tarefa de apuração disciplinar ou aplicação de sanção nas entidades de atendimento socioeducativo. 

Art. 74.  Não será aplicada sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar e o devido processo administrativo.

Art. 75.  Não será aplicada sanção disciplinar ao socioeducando que tenha praticado a falta: 

I – por coação irresistível ou por motivo de força maior; 

II – em legítima defesa, própria ou de outrem.  

Recentemente, foi notícia a decisão do STF de conceder Habeas Corpus coletivo aos internos de uma unidade no Espírito Santo (veja a notícia aqui). Dada a superlotação de uma unidade, a Defensoria Pública impetrou o Habeas Corpus coletivo, e a matéria chegou ao Supremo, que fez história com a excelente decisão.

A leitura atenta do ECA mostra que o legislador não pretendia repetir os erros do ultrapassado Código de Menores, no que diz respeito à punição de jovens infratores. A realidade mostra que mudam as legislações e permanecem os mesmos erros.

As antigas Febens, sigla para Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, foram igualmente criadas a fim de dar um acolhimento institucional a crianças e jovens em situação de rua. Na prática, eram verdadeiros presídios para crianças e jovens em situação de miséria, com maus-tratos, violência física, psicológica e sexual entre os internos. A realidade mostrou que não há muita diferença entre as antigas Febens e as atuais unidades de internação para jovens infratores.

Gilberto Dimenstein abordou o assunto no hoje clássico “O cidadão de papel”:

Não são poucas as coincidências entre os períodos, começando pela educação pública. Quando surgiu o decreto de Repressão à Ociosidade, em 1888 – com a criação de instituições do tipo da Febem para garotos que perambulavam pelas ruas -, o deputado Rodrigues Peixoto discursou no Parlamento. Ao questionar a eficácia dos asilos correcionais, disse:

 ‘Poderemos, é verdade, prescindir desses meios, e chegar ao mesmo resultado por outro caminho, talvez mais nobre, mas essa estrada seria demasiadamente longa; só atingiríamos essa meta depois de muito tempo e de havermos despendido largas somas. Quero falar de educação popular. Se nós pudéssemos educar melhor a nossa mocidade, se pudéssemos incutir-lhes as grandes qualidades que tornam um cidadão útil e o fazem compreender os seus direitos e deveres, poderíamos então prescindir de meios artificiais (…). Temos, é verdade, grandes estabelecimentos de instrução superior, alguns dos quais podem enfrentar aqueles que possuem os povos mais civilizados da Europa, mas quanto à instrução primária e secundária, estamos completamente atrasado.’ (p. 149).


REFERÊNCIAS

DIMENSTEISN, Gilberto. O cidadão de papel. 11. ed. São Paulo: Ática, 1995.

Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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