‘Medo de ser preso’ tira Putin da reunião dos Brics na África do Sul; entenda
Apesar disso, a Rússia ainda estará representada no evento pelo chanceler Serguei Lavrov
A emissão de uma ordem de prisão pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Vladimir Putin em março causou um sério constrangimento ao presidente russo no cenário internacional. Como resultado, a África do Sul, que é signatária do tratado que criou o TPI e legalmente obrigada a cumprir suas ordens, anunciou que Putin não participará da próxima reunião do Brics em seu território. Apesar disso, a Rússia ainda estará representada no evento pelo chanceler Serguei Lavrov, o decano da diplomacia internacional.
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A reunião do Brics, composta por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, já estava marcada para acontecer no país africano antes da decisão do TPI. A África do Sul vinha tentando possibilitar a presença de Putin, mas acabou por se ver em uma situação delicada, tendo que optar por cumprir a ordem de prisão.
A acusação contra Putin refere-se à deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia. O Kremlin nega a acusação, alegando que a ordem é resultado da pressão do Ocidente devido à oposição desses países à invasão da Ucrânia ocorrida em fevereiro do ano anterior.

A controvérsia se dá, em parte, pelo fato de haver aproximadamente 1,2 milhão de refugiados ucranianos na Rússia, muitos deles chegando antes mesmo do início da guerra, vindos de regiões controladas por separatistas pró-Kremlin desde 2014.
O conflito civil foi estimulado pelo Kremlin para afastar Kiev de instituições ocidentais, como a Otan e a União Europeia. A África do Sul havia inicialmente prometido imunidade a todos os líderes do Brics para a reunião de agosto, visando garantir a segurança de Putin. No entanto, a pressão interna e externa sobre o país fez com que reavaliassem essa decisão.
Apesar das especulações sobre a mudança do local da reunião para a China, que não reconhece o TPI e é o principal aliado de Putin, a África do Sul manteve-se firme em sediar o encontro. Somente África do Sul e Brasil no grupo Brics fazem parte das 123 nações signatárias do Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional.
O maior partido de oposição no país africano, a Aliança Democrática, recorreu ao sistema judicial para pressionar o governo a cumprir uma ordem de prisão contra Putin, caso ele comparecesse a uma reunião no país.
O presidente Cyril Ramaphosa, acusado pelos EUA de fornecer armas secretamente para a Rússia, enviou uma explicação à corte, tornada pública na terça-feira (18), o que gerou grande controvérsia nacional. O presidente afirmou que a África do Sul enfrenta dificuldades em executar o pedido de prisão e entrega de Putin, pois a Rússia deixou claro que isso seria considerado uma declaração de guerra.
Consequentemente, a prisão de um presidente em exercício iria contra a Constituição e poderia arriscar um conflito com a Rússia.
Ex-presidente Dmitri Medvedev sugeriu bombardear o prédio do Tribunal Penal Internacional na Holanda, caso Putin fosse preso
Diante da polêmica política, aparentemente as partes concordaram que o melhor seria evitar a presença de Putin. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, recusou que a Rússia tenha feito ameaças de guerra, embora tais declarações tenham sido feitas publicamente pelo ex-presidente Dmitri Medvedev, que até sugeriu bombardear o prédio do Tribunal Penal Internacional na Holanda, caso Putin fosse preso.
Essa situação constrangedora dá peso simbólico ao pedido de prisão, mas também fornece argumentos para a Rússia manter sua narrativa de perseguição política pelo Ocidente, especialmente para seu público interno. Isso é reforçado pelo fato de que o Tribunal Penal Internacional não é reconhecido pelos Estados Unidos ou pela Ucrânia.

A acusação contra Putin é difícil de verificar, ao contrário de casos mais notórios julgados no tribunal internacional, como o do ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, que morreu durante o julgamento por genocídio documentado na guerra civil da Bósnia. A criação de um tribunal específico para a Ucrânia, nos moldes do tribunal da ex-Iugoslávia, enfrenta resistências. Para o Brasil, o assunto é delicado. Como signatário do Estatuto de Roma, o país teoricamente deveria prender Putin caso ele colocasse os pés em solo brasileiro.
No entanto, o Brasil manteve uma posição de neutralidade crítica desde o início da crise que resultou no conflito, condenando a invasão russa na ONU durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), que esteve em Moscou uma semana antes da agressão, mas não aderiu a sanções.
O ex-presidente Lula também garantiu essa posição de neutralidade e manteve os esforços para atuar como mediador na solução do conflito, enviando seu assessor internacional Celso Amorim a Moscou depois que Putin foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional. No entanto, essa atitude gerou críticas diretas da Ucrânia e de países europeus, o que levou Lula a diminuir sua postura de mediador após o episódio.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO