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Introdução aos conceitos de mens rea e actus reus

Introdução aos conceitos de mens rea e actus reus

Já nos primeiros períodos da graduação em direito os alunos se deparam com a teoria geral do direito penal, a qual, em seu escopo, analisa conceitos basilares da área. Dentre elas está a introdução da teoria do crime, da estrutura adotada no país e suas derivações, bem como as críticas envoltas.

Contudo, acredita-se que a abordagem realizada em sala de aula seja, por muitas vezes, introdutória, tendo em vista a gama de temas e discussões que circundam em torno da teoria do crime, bem como as subdivisões da tipicidade, ilicitude e culpabilidade.

Por ora, também é certo que o aluno de direito, mas não somente esse, acaba por assistir séries americanas com enfoque jurídico e, através dessas, passa a ter curiosidade a respeito do Direito Penal em outros países.

Sendo assim, o artigo semanal possui o intuito de abordar conceitos comumente citados por estes seriados, além de realizar breves parâmetros comparativos e distintivos com o sistema brasileiro.

Primeiramente, um dos termos comumente utilizados (quem assistiu a série How to get away with murder lembrará) consiste na mens rea. Com origem proveniente do latim, significa ”mente culpada”, é vista sob os moldes do common law. Também tratada como guilty mind em países como os Estados Unidos da América, amolda-se como a junção de elementos necessários para constituir um crime.

A mens rea é classificada em quatro estágios. O primeiro deles é chamado de intent, ou seja, a intenção, a qual é marcada pela vontade consciente em praticar ato perigoso ou ilegal, exemplificada pelo desejo em agredir outrem para lhe causar dano, constitui a intenção.

A segunda é o knowledge, cujo teor consiste na ciência do agente sobre possíveis resultados ao praticar certas ações, mas que não aparenta dar importância a esses riscos prováveis.

Sob a linha do knowledge, cumpre relembrar uma breve abordagem realizada nos artigos sobre a teoria da cegueira deliberada, haja vista o agente ter a probabilidade de conhecer a pratica delituosa e, buscando eximir-se de responsabilidades ou puramente por questões de desinteresse, nada faz.

Contextualizando: o agente incorre-se em knowledge em casos onde há o risco de existir práticas de lavagem de dinheiro no interior de certa empresa e, com isso, um de seus dirigentes, temendo responsabilizações ou não possui interesse em ter seu tempo tomado por uma desconfiança provável, ignora a probabilidade. Desse modo, incorre-se em delito por deter mens rea na modalidade knowledge, sendo responsabilizado criminalmente por ter o conhecimento criminoso.

A terceira é a recklessness, conhecida no Brasil pela Imprudência, consiste na prática de ato mesmo ciente dos riscos associados a prática. Um exemplo típico brasileiro consiste na direção em excesso de velocidade, onde o condutor possui consciência do risco de acidente.

A última parte da mens rea é a negligence… não é forçoso perceber que se trata da negligência. No caso americano ela é tida como uma forma menos gravosa da modalidade, consiste na não obtenção do zelo razoável, de um padrão esperado por certa prática. A título de exemplo elenca-se a criança que se afoga porque o cuidador não atendeu seu dever se impedir afogamentos, podendo ser culpada no direito americano por negligência criminosa.

Partindo a análise para o segundo conceito, denominado de actus reus, possui origem latina e significa “ato de culpabilidade” e ela representa a antijuricidade, através de elementos externos (ou objetivos) de um delito.

Sob linhas mais definidas, o actus reus se consubstancia na ação e, nas palavras de Luiz Vicente Cerninchiaro, consiste na junção da conduta propriamente dita com o resultado, proveniente da conduta delituosa.

Sendo assim, se reunirmos a actus reus com a mens rea, obteremos os requisitos necessários para que haja a responsabilização criminal em países de common Law, como Estados Unidos, Canadá, Índia, Colômbia e Inglaterra. Sob o âmbito do direito penal norte-americano, em alguns casos exigem-se provas acerca das circunstâncias.

Sendo assim, é possível perceber que os termos se assemelham com os existentes no Brasil, muito embora existam distinções de classificação entre elas. Contudo, quando a doutrina e jurisprudência pátrias decidem transpassar aplicações de outros países, as atenções devem estar envoltas nas distinções, para que não haja a agressão à legalidade.

A título de exemplo, ressalto a importância de discussões profundas sobre a aplicação da teoria da willful blindness e do instituto do plea bargain pois, tendo em vista a diferença teórica e basilar de cada direito penal, as questões destoantes advém de fatores basilares de cada teoria.

Ao todo, conhecer brevemente institutos internacionais é, além de uma curiosidade sanada, algo necessário para que tenhamos conhecimento sobre dificuldades e possíveis falhas ao trazer tais itens para o âmbito nacional.

Por essas razões que o Direito Penal é uma das matérias mais complexas do direito brasileiro, tendo em vista conceitos tidos como básicos na graduação, mas que, diante de problemáticas apresentadas, confirmam a necessidade de pesquisa, sendo notório o fato pelo qual o Direito Penal não é algo de fácil modificação ou de inserção de novidades de âmbito geral (basilar).


REFERÊNCIAS

  • Sobre as teorias basilares do direito penal:

BUSATO, Paulo César. Direito Penal: Parte Geral. Vol. 1. 2ª Edição. São Paulo: Atlas. 2015.

  • Sobre a abordagem dos conceitos internacionais:

CERNICHIARO, Luiz Vicente. Conceito do delito no direito penal inglês. Conferência realizada no TJDF. 1971.

MARTIN, Jacqueline. The english legal system. Londres: Hodder & Stoughton, 2003.

SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao direito dos Estados Unidos. 2. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.


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Suzana Rososki de Oliveira

Advogada criminalista

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