Noticias

STF: mentir no interrogatório não possibilita aumento da pena-base

O ministro Edson Fachin do Superior Tribunal de Federal (STF) decidiu que o fato de o réu mentir no interrogatório não possibilita aumento da pena-base, pois as normas processuais não exigem do acusado o compromisso de dizer a verdade.

A decisão liminar foi proferida no HC 195.937.

Mentir no interrogatório

Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática, proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que não conheceu do ARESP 1765811/SP (eDOC.11). Busca o impetrante, em síntese, abrandamento no regime prisional imposta à paciente, condenada à pena de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime fechado pela prática do crime previsto no art. 33, §4º da Lei 11.343/2006. É o relatório. Decido.

[…]

Nota-se, portanto, que a motivação adotada pelas instâncias antecedentes, ao considerarem negativa a personalidade da paciente, centra-se no fato de ter a acusada mentido em juízo, o que demonstraria “distorção de caráter e a ausência de senso moral por parte da ré, que se vale da mentira com o propósito de impor tumulto à instrução processual e, maliciosamente, induzir em erro o julgador, com afronta à dignidade da justiça.” Nada obstante, à luz dos princípios norteadores do processo penal brasileiro, tal argumento não revela, isoladamente, motivação idônea para exasperação da reprimenda. A ausência de colaboração relacionada a questões cujo ônus recai sobre a acusação decorre da prerrogativa de não auto-incriminação e, portanto, não tem o condão de placitar o incremento da pena-base. O direito ao silêncio, compreendido em sentido amplo, abarca também resultados probatórios que pressuponham condutas ativas da acusada, sob pena de que se admita a exigência de contribuição involuntária por parte do sujeito passivo da persecutio criminis com o intuito de suprir o encargo probatório que incumbe à acusação. Assim não fosse, admitindo-se consequência gravosa como resultado de uma prerrogativa, negar-se-ia a essência do princípio do nemo tenetur se detegere e, na prática, haveria verdadeira inversão do ônus da prova, providência que, à obviedade, não se conforma com o sistema processual penal. No que atine às supostas falsas versões prestadas em interrogatório, embora não se esteja, no momento a adentrar na discussão acerca da extensão do direito ao silêncio e se o réu ostenta um direito a mentir ou não, o fato é que as normas processuais não exigem do acusado o compromisso de dizer a verdade. Em outros sistemas, é garantido que o acusado opte entre prestar declarações ou não. Mas, o fazendo, submete-se ao dever de dizer a verdade, sob pena de perjúrio. A hipótese brasileira não consagra essa obrigatoriedade, subtraindo do acusado, ainda que faltante com a verdade, a responsabilização penal e assim, por via reflexa, tampouco admite que tal circunstância impacte negativamente na reprimenda que será aplicada. No caso concreto, as supostas declarações falsas estão sendo utilizadas, em última análise, como instrumento para a dosagem da responsabilização penal, exatamente o que o Código Penal pretendeu afastar. Ou seja, embora, em tese, as versões falseadas possam ser valoradas e utilizadas pelo Juiz da causa na formação da convicção final, ainda que em prejuízo do acusado, não se admite que essas declarações tidas como falsas, por essa simples condição e independentemente de seu conteúdo, justifiquem uma dosagem da pena mais severa. Isso porque, ao meu sentir, a simples falta da verdade não obsta que a acusação persiga a produção das provas que entender relevantes aos seus anseios e por isso não há como acolher a conclusão de que o agir da acusada acarretou “tumulto à instrução processual e, maliciosamente, induzir em erro o julgador, com afronta à dignidade da justiça.” Não bastasse, essa Corte tem entendimento consagrado de que a valoração negativa da personalidade do infrator reclama avaliação criteriosa, assentada em laudos técnicos, não se relacionando, a princípio, com atos endoprocessuais tomados pelo acusado no intuito de autodefesa. Nesse sentido é a consolidada jurisprudência da Corte:

“A adjetivação negativa acerca da personalidade do infrator reclama criteriosa pesquisa dos elementos probatórios concretos a referendá-la, devendo o julgador se ater à análise do meio social e das condições de vida do sentenciando . 6 . O valor conferido à agravante da reincidência não é fixado pela legislação penal, mas o seu quantum deve guardar proporcionalidade relativamente à pena-base, evitando-se o direito penal do autor. 7 . Recurso parcialmente provido.” (RHC 107213/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 21/6/2011, grifei). 

“Ausente motivação idônea para valoração negativa da culpabilidade, da conduta social e da personalidade do agente impõe-se seu decotamento da pena-base. 5. O recurso à expressão genérica os elementos demonstram para a majoração da pena-base, sem sua concreta indicação, é incompatível com o dever de motivação expressa. 6. Embora desfavoráveis, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, na espécie, não conduzem, por si sós, ao regime prisional mais gravoso, haja vista que o recorrente é primário, tem bons antecedentes e a quantidade de pena imposta autoriza o regime aberto. 7. Recurso não provido. Concessão, de ofício, de ordem de habeas corpus, para o fim de reduzir a pena imposta ao recorrente e fixar o regime inicial aberto.” (RHC 123529, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 30/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 14-11-2014 PUBLIC 17-11-2014) 

[…]

Desse modo, pelos fundamentos expostos, há que ser decotada a valoração negativa da “personalidade” da acusada.

[…].

(HC 195937, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Julgamento: 02/02/2021, Publicação: 04/02/2021)

Mentir no interrogatório

Leia mais:

STJ: legítima defesa não pode ser analisada por habeas corpus


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Pedro Ganem

Redator do Canal Ciências Criminais

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo