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Mídia e Tribunal do Júri

Mídia e Tribunal do Júri

A capacidade de interferência da mídia nos julgamentos criminais já é uma realidade, há tempos, bem conhecida da Criminologia.

Mas na nossa “Era da Informação” tomou proporções nunca antes vista, a tal ponto de ser extremamente difícil garantir a imparcialidade do juiz em casos com grande cobertura e influência midiática.

A mídia julga quando o caso está ainda na fase de investigação preliminar, provocando a manipulação da opinião popular para pressionar o juiz!

A título de ilustração, basta analisarmos os recentes “grandes casos de combate à corrupção”, em que os juízes se tornaram reféns da pressão midiática, a tal ponto de alguns deles se renderem à vaidade de estamparem capas de revistas e jornais e adotarem posturas populistas vergonhosas.

E nos julgamentos do Tribunal do Júri esta questão pode se tornar ainda mais dramática, já que, via de regra, os jurados, por serem leigos – ou pelo menos prescindirem do conhecimento jurídico –, estão mais alheios às regras do Direito – especialmente as que constituem as garantias penais –, diariamente menosprezadas pela grande mídia.

Daí que, num primeiro ponto, é importante discutir a imperiosa necessidade de regulação da mídia.

Isto porque, a começar pelas transmissões dos canais de televisão aberta, assim como a dos rádios, elas dependem de concessão do Poder Executivo, de modo que, conforme prevê o artigo 223, § 5º, da Constituição Federal, se dá pelos prazos de dez anos, para os rádios, e quinze anos, para as televisões. Naturalmente estes prazos podem ser – como geralmente o são – renováveis.

Isto se justifica por uma razão extremamente importante, sendo justamente o fato de a comunicação social, por estas vias (televisão aberta e rádio), ser um serviço público de transmissão da informação, o que, à evidência, deve ter certo controle estatal.

E não é só, quanto aos demais veículos de comunicação – mídia escrita, canais fechados de televisão, mídias da internet etc. – também devem respeitar um mínimo principiológico, tal qual o regrado pelo artigo 221 da Constituição Federal que estabelece algumas regras para a programação destes canais de comunicação, assim dispondo:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Ora, como se observa, trata-se de parâmetros bem razoáveis para as programações, não configurando nenhum absurdo exigir um nível mínimo de qualidade, como, no que tange ao jornalismo, “a preferência a finalidades (…) informativas” (I) o “respeito aos valores éticos e sociais (…)” (IV) etc.

Apesar disto, o que se tem visto, no tocante ao jornalismo, especialmente nos canais de televisão com sinal aberto, é um verdadeiro desrespeito às referidas exigências básicas do artigo 221 da Constituição Federal, com programas de jornalismo sensacionalista ou ainda que transmitem informações extremamente irresponsáveis, e, não raro, com falsificação/deturpação de conceitos jurídicos, não obedecendo à boa técnica.

Isto porque tais programações carecem de um mínimo de qualidade informativa e ética, ou qualquer das demais exigências constitucionais, se apresentando como verdadeiros venenos para o cérebro humano – como apontam pesquisas recentes da neurociência – justamente por não possuírem qualquer conteúdo respeitável.

Mas, para além da ausência de regulação da mídia, o grande problema é que o modelo de Tribunal do Júri brasileiro facilita, sobremaneira, a ilegítima interferência midiática, não raro, para condenar – injustamente ou não.

É que, como se percebe, em casos de grande repercussão midiática os jurados já são sorteados sabendo do veredito proferido pela mídia, de tal sorte a influir decisivamente na formação dos seus convencimentos.

Ora, se já é difícil até para os juízes mais técnicos se imunizarem da influência midiática, imagine para um jurado leigo que desconhece qualquer regra jurídica para se agarrarem e rechaçar o julgamento da mídia.

Um modelo de Tribunal do Júri que apresenta algumas regras bem eficientes para prevenir a referida interferência midiática é, dentre os mais emblemáticos, aquele estadunidense.

Com efeito, neste modelo estadunidense, há regras bem rígidas no que tange aos julgamentos por jurados, como as de isolamento destes – da sociedade e dos veículos de comunicação – no período do julgamento, bem como a exigência de julgamento unânime, que, de modo extremamente interessante, promove uma construção coletiva da decisão, tal qual se observa naquele clássico dos cinemas “12 homens e uma sentença” (de 1957).

Neste ponto, a exigência de um julgamento unânime, além de aumentar sobremaneira o grau de certeza na decisão (ao invés da maioria simples brasileira criticada na última coluna), viabiliza uma decisão muito mais elaborada, com um verdadeiro raciocínio coletivo entre os jurados após os debates das partes que, assim sendo, auxilia na contenção da pressão midiática que surte efeitos mais devastadores no jurado incomunicável com os demais, como no nosso modelo.

Já em relação ao isolamento dos jurados, há um importante inconveniente no modelo brasileiro, demandando uma série de adaptações, uma vez que, via de regra, o julgamento do plenário é realizado tão somente no período de algumas horas – “numa sentada” –, já estando os jurados, como já mencionado, não raro, plenamente convictos do veredito imposto pela mídia.

Ainda, não há possibilidade em pleitear o sorteio e isolamento dos jurados desde a investigação preliminar, já que, como se sabe, os processos brasileiros demoram anos, quando não décadas.

Por todo o exposto, ao menos um consenso é premente e necessário, o nosso atual modelo inviabiliza um mínimo de imparcialidade dos jurados, diante dessa mídia brasileira, sendo urgente a sua regulação e fiscalização de modo mais eficaz, além de um aprimoramento do modelo de julgamento por jurados, como com o isolamento e uma unanimidade na votação – ou pelo menos a possibilidade de comunicabilidade entre eles.


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Núbio Mendes Parreiras

Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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