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O mito das garantias constitucionais no processo penal

O mito das garantias constitucionais no processo penal

É compreensível que com a realidade atual da sociedade, onde a criminalidade cresce cada a cada dia, sejam solicitadas soluções imediatas. Todavia, faz-se necessário pensar em medidas que estejam de acordo com os parâmetros constitucionais existentes.

Assim como os integrantes de uma sociedade possuem o direito de se sentirem seguros, aquele que se encontra sob a tutela do Estado também é sujeito de direitos e garantias, que devem ser respeitadas, uma vez que lhes são asseguradas.

O texto constitucional elenca uma série de garantias que, em tese, deveriam ser asseguradas ao réu previamente e durante o cumprimento da pena. Entretanto, diante do atual cenário jurídico, a aplicabilidade de tais garantias, torna-se questionável.

O processo penal, em tese, deveria servir de instrumento para assegurar as garantias previstas na Constituição Federal. Contudo, pode ser percebido que cada vez mais, serve como instrumento exclusivo de incriminação. As garantias, por sua vez, são cada vez mais cerceadas, de modo que constantemente são criados mecanismos para se coibir tais garantias.

Diante de tantos princípios constitucionais presentes no processo penal, alguns merecem destaque. O princípio da presunção de inocência, que deveria ser norteador no processo penal, por muitas vezes, é desconsiderado, haja vista que, no atual momento que vivenciamos, o direito de punir, ao que parece, passou das mãos do Estado para as mãos da sociedade.

Conforme preceitua o artigo 5º, inciso LVII, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Entretanto, embora seja clara a redação do presente artigo, fica evidenciado que, do inquérito à sentença penal condenatória, o resultado já é aparente e esperado. O agente, que ingressa como mero indiciado, no momento do inquérito policial, já carrega o status de culpado, ainda que o texto constitucional preveja o contrário.

Dessa maneira, é considerado culpado, mesmo antes do início da Ação Penal. Diante disso, incumbe a ele provar a sua inocência, diante dos fatos imputados a ele pelo Ministério Público. Porém, não seria essa uma incumbência do referido órgão? Ao que parece sim, contudo, o que pode ser observado na prática, a aderência do réu ao direito de permanecer em silêncio é interpretado como prova de culpa no Processo Penal.

O princípio da presunção de inocência no âmbito jurídico passou a ter uma conotação extremamente negativa, bem como o direito do réu em permanecer em silêncio. Nesse sentido, evidente a banalização desses princípios que deveriam servir de base para o processo penal, que foram e continuam perdendo força.

Essa questão fica ainda mais evidenciada quando observados os casos de decretação de medidas cautelares, cujas as fundamentações são, por muitas vezes, questionáveis, tendo em vista que, atualmente, grande parte da população carcerária brasileira é composta por presos provisórios.

Entrando em um campo tão polêmico quanto os princípios já abordados (senão ainda mais), temos os princípios da ampla defesa e do contraditório. O princípio do contraditório pode ser compreendido como o direito do acusado de saber sobre os fatos que lhe estão sendo imputados, oportunizando instrumentos e meios que oportunizem sua defesa, de modo que possa contraditar, defender-se dos fatos os quais está sendo acusado.

Nesse contexto, a ampla defesa, outro princípio norteador do processo penal (ou deveria ser), oportuniza os meios necessários para que o acusado exerça o seu direito de defesa e ao contraditório. No que tange a esse princípio, Aury Lopes Junior (2016, p. 306) salienta que, no que se refere a defesa pessoal, esta pode ser dividida em positiva ou negativa.

A defesa pessoal positiva se mostra presente quando o acusado participa ativamente dos atos processuais que requerem a sua manifestação, como por exemplo, quando presta um depoimento ou participa de uma reconstituição dos fatos.

Já na defesa pessoal negativa, o réu se abstém de direitos previstos, para exercer outros, que, por sua vez, também existem. Essa inversão acontece, por exemplo, quando o réu se abstém de contar a sua versão dos fatos em depoimento pessoal (direito ao contraditório), para exercer o seu direito de silêncio (não produzir provas contra si mesmo/direito a não autoincriminação).

Entretanto, essa recusa a um direito para exercer outro, não deveria ser vista de forma prejudicial, como se houvesse soberania entre os princípios mencionados. Pelo contrário, tais princípios existem para que o réu se defenda no curso da ação penal, da melhor maneira possível.

Nesse contexto, diante da cultura condenatória que foi sendo criada ao longo do tempo, em decorrência da insegurança sentida pela população e a exigência de soluções imediatas, infelizmente, a banalização de princípios que deveriam reger o processo penal, a cada dia fica mais evidente.

Contudo, essa problemática fica evidenciada, de uma forma ainda mais prejudicial, nos casos em que o réu, exercendo o seu direito de não praticar determinado ato que possa vir a prejudica-lo futuramente, é impelido a produzi-lo, ainda que contra a sua vontade.


REFERÊNCIAS

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 13. ed. Saraiva: São Paulo, 2016.

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