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STJ: não há excesso de prazo em prisão preventiva de 2 anos e 6 meses

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não há excesso de prazo em prisão preventiva que dura mais de 2 anos e 6 meses, especialmente se a demora não decorre da morosidade ou desídia do Poder Público, mas à complexidade intrínseca do processo, bem como à atuação da própria defesa.

A decisão (RHC 135.000/MG) teve como relator o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

Não há excesso de prazo

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. AUSÊNCIA DE MOROSIDADE OU DESÍDIA. FEITO COMPLEXO. IMPULSO CONSTANTE. INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS SUCESSIVOS. TEMPO DE TRAMITAÇÃO ADEQUADO. REVISÃO PERIÓDICA DA PRISÃO. AUTOS NA INSTÂNCIA SUPERIOR. RECOMENDAÇÃO DE REEXAME DOS FUNDAMENTOS COM O RETORNO DOS AUTOS. RECURSO DESPROVIDO.

1. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXXVIII, prescreve: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” No entanto, essa garantia deve ser compatibilizada com outras de igual estatura constitucional, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório que, da mesma forma, precisam ser asseguradas às partes no curso do processo. Desse modo, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional.

2. No caso, verifica-se que, embora o recorrente esteja preso desde 8/8/2018, a demora não decorre da morosidade ou desídia do Poder Público, mas à complexidade intrínseca do processo, bem como à atuação da própria defesa. Trata-se de autos em que figuram 3 réus, com advogados distintos, necessidade de providências morosas como expedição de cartas precatórias, e dificuldade de localização de corréu, que inclusive gerou o desmembramento do processo, de modo a permitir a continuidade do julgamento em relação aos acusados presos. Não obstante tais dificuldades, foi proferida decisão de pronúncia em 4/2/2019, não se verificando lapso irrazoável de tramitação até o encerramento da primeira fase do rito do Tribunal do Júri.

3. Contra a decisão, a defesa do recorrente e do corréu interpuseram recurso em sentido estrito, recebido no Tribunal de Justiça em 12/4/2019, e julgado em 9/8/2019 – tempo de julgamento que, também, não pode ser considerado excessivo.

4. Contra o acórdão, a defesa do corréu interpôs embargos infringentes, desprovidos em 20/3/2020. Insistiu, ainda, a defesa, com recurso especial, pendentes de julgamento.

5. Conquanto a prisão perdure por cerca de 2 anos, verifica-se que os autos não permaneceram, em momento algum, paralisados, tampouco cada estágio enfrentado ultrapassou o tempo de tramitação razoável – especialmente diante do cenário de pandemia atravessado no seu decorrer, com todas as providências e contratempos respectivos. Há, ao contrário, elevada complexidade do feito, bem como utilização reiterada dos meios legítimos de impugnação pela combativa defesa, os quais, porém, ensejam tempo para sua resolução. Não se constata, desse modo, o constrangimento ilegal alegado.

6. Com a remessa dos autos à instância superior para julgamento do recurso em sentido estrito, respectivos embargos infringentes e recurso especial, o magistrado encontra-se impossibilitado de realizar a revisão periódica da prisão. Ora, o art. 583, inciso II do Código de Processo Penal estabelece que subirão nos próprios autos os recursos interpostos, dentre outros casos, contra decisão que pronunciar o réu. Lado outro, a norma contida no art. 316, parágrafo único, estabelece expressamente que a revisão da prisão, a cada 90 dias, cabe apenas ao órgão emissor da decisão.

7. Aplicação analógica do entendimento consolidado desta Corte, construído a partir de uma interpretação sistemática, de que o dever de reavaliar periodicamente, a cada 90 dias, a necessidade da prisão preventiva, cessa com a formação de um juízo de certeza da culpabilidade do réu, declarado na sentença, e ingresso do processo na fase recursal.

8. Isso porque, com prolação da sentença, o § 1º do art. 387 Código de Processo Penal determina que “O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.”. Trata-se de uma imposição legal para uma última atuação do Magistrado, a qual representa o marco final para a revisão, de ofício, da prisão preventiva do condenado.

9. Ao tratar da decisão de pronúncia, o Código de Processo Penal estabelece disposição semelhante, no art. 413, § 3º, ao versar que “O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código”. Trata-se, igualmente, de previsão de uma última atuação do magistrado antes do encerramento da primeira fase do rito bifásico do Tribunal do Júri.

10. Portanto, em interpretação analógica, adequada a suspensão das revisões periódicas automáticas da custódia preventiva enquanto os autos tramitarem perante as instâncias superiores devido à interposição de recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia do réu, restabelendo-se com o retorno dos autos à primeira instância, até a formação do juízo de certeza da culpabilidade do réu, declarado na sentença.

11. Recurso desprovido, com recomendação, de ofício, para que, com o retorno dos autos à primeira instância, o magistrado reavalie a necessidade e adequação da prisão preventiva, nos termos do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

(RHC 135.000/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 11/02/2021)

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Pedro Ganem

Redator do Canal Ciências Criminais

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