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Qual é a natureza jurídica das palavras do delator no acordo de colaboração premiada?

Qual é a natureza jurídica das palavras do delator no acordo de colaboração premiada?

Em artigo anterior, analisamos a decisão da Segunda Turma do Supremo que anulou a condenação prolatada em desfavor de Aldemir Bendini, ex-presidente da Petrobras, em razão do oferecimento de prazo comum para apresentação de alegações finais dos delatores e do delatado.

In casu, o STF entendeu que o não oferecimento de prazo sucessivo para delatores e delatado, violava os princípios processuais- constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Para os Ministros, deveria ser ofertado ao réu delatado o direito de “falar por último” para poder rebater tanto a carga acusatória advinda do MP, quanto às acusações veiculadas nos memoriais dos acusados qualificados como delatores.

Partindo dessa premissa, no artigo de hoje, estudaremos o instituto da colaboração premiada para compreendermos o porquê de o réu delatado falar sempre por último no processo penal (seja no interrogatório, seja nas alegações finais). Em outras palavras, analisaremos a natureza jurídica das palavras dos delatores no acordo de colaboração premiada, verificaremos, portanto, qual é o melhor enquadramento a ser dado e quais são as consequências jurídicas deste dimensionamento.

De início cumpre ressaltar que o instituto da colaboração premiada é instrumento de combate ao crime organizado com previsão na lei que trata das organizações criminosas (Lei n° 12. 850/2013).

Em linhas gerais, o acordo de colaboração premiada é na verdade um “contrato” que apresenta como partes o investigado/acusado e o Ministério Público ou o Delegado de Polícia, como bem explica o  art. 4º, §6º, da Lei 12.850/2013.

Assim, após o prévio juízo de admissibilidade formal do acordo pelo magistrado competente (art. 4º, §7º, Lei 12.850/2013) e o consequente cumprimento do acordo através da participação efetiva do colaborador no auxílio às investigações, o mesmo fará jus aos benefícios acordados inicialmente

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Nota-se que o que a lei exige é a voluntariedade e não o arrependimento para a validade do acordo de colaboração. Ademais, exige-se também a eficácia nas informações prestadas para validade deste acordo (art. 4º, §11, Lei 12.850/2013). Ou seja, impõem-se que as informações sejam úteis para o órgão acusador.

Dessa feita, o grande questionamento que aqui se coloca é o seguinte: a delação premiada pode ser encarada como que espécie de meio de prova? Trata-se de confissão, prova testemunhal, mera informação ou de espécie sui generes ?

Dito isto, há quem entenda que a delação premiada possui natureza de confissão, uma vez que o art. 4, §14, da Lei 12.850/2013 estabelece que o delator ao celebrar o acordo com o Estado, renuncia o direito ao silêncio e assume o compromisse legal de dizer a verdade.

Por outro lado, há doutrina que discorda desse posicionamento, por entender que é possível delatar sem ter que necessariamente confessar a participação na empreitada criminosa. 

Autores como Carvalho e Lima (2009) comungam desse mesmo pensamento. Para os mencionados autores, é possível que o delator negue a autoria ou a participação, mas aponte outros como responsáveis pelo fato delitivo.

Nessa esteira, há ainda quem entende que a delação não pode ser encarada como uma confissão, uma vez que extrapola os limites desta. Quem advoga nesse sentido afirma que o conteúdo de uma delação não se resume a assumir a responsabilidade por um fato, o que impede, portanto, a equiparação entre delação e confissão.

Em síntese,

[…] é incauta a pretensão de igualar os institutos da confissão e da delação premiada, cominando os mesmos efeitos de redução de pena. Trata-se de normativos sujeitos a pressupostos diversos, consequentemente também não podem ter o mesmo valor probatório” (FALCÃO JÚNIOR, 2011, p. 16).    

Por outro lado, alguma doutrina, ao analisar a delação sob a perspectiva do delatado, entende que o delator assume a condição de testemunha face ao delatado. Vieira (2017), por sua vez, é um dos críticos em relação a este posicionamento. Para o autor, o fato de o delator não gozar de imparcialidade e possuir relação direta com a causa, o impede de se posicionar e assumir a condição de testemunha no processo.

Nesse mesmo sentido, Romero (2017) assevera que o fato de uma possível mentira contada pelo delator não configurar o crime de falso testemunho (art. 342, CP), mas tão somente caracterizar o descumprimento do contrato de colaboração, faz com que, no frigir dos ovos, o enquadramento das palavras do delator como prova testemunhal se torne impossível.

Por fim, também existem os autores que consideram o depoimento dos delatores como mera informação. Para Falcão Júnior (2011), por exemplo, o fato de o delator não prestar o compromisso legal de dizer a verdade faz com que o mesmo assuma as vestes de informante no processo penal. 

Ante o exposto, entendemos que as palavras do delator no acordo de colaboração premiada possui natureza jurídica de mera informação, pelo fato do visível interesse que o delator possui na causa. Assim, apesar de ser um instituto relativamente novo em nossa ordem jurídica, pensamos que a classificação exposta é a que melhor soluciona os problemas inerentes ao tema.


REFERÊNCIAS

FALCÃO JÚNIOR, Alfredo Carlos Gonzaga. Delação Premiada: constitucionalidade e valor probatório. Revista Custos Legis – Ministério Público Federal, vol. 3, ano 2011, ISSN 2177- 0921. Disponível em: . Acesso em: 15/04/2017.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 4. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016.

ROMERO, Eneas. A colaboração premiada. In: Crime organizado: análise da lei 12.850/2013. Organização de Kai Ambos, Eneas Romero. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons; CEDPAL, 2017.

VIEIRA, Moisés M. Uma análise da natureza jurídica do depoimento do colaborador. 2017. 18 f. Relatório de Mestrado não publicado – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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