Novatio legis in mellius e a reincidência específica
Com a vigência da Lei nº 13.964/2019 houve a alteração na aplicação da porcentagem na reincidência específica em delitos hediondos, para aplicação da fração de 3/5 ou 50%.
Neste sentido, nos casos de reincidência genérica, deve ser aplicada a fração de 2/5 ou 40%, de acordo com a nova lei. Assim, nos casos de apenados não reincidentes específicos em delitos hediondos, não seria correto conforme a nova legislação a aplicação da fração mais gravosa como a de 50% ou 70% (artigo 112, VII da Lei de Execução Penal).
Portanto, se o apenado for reincidente na prática de delito hediondo, aplica-se os incisos VII ou VIII, se o apenado for primário na prática de delito hediondo, aplica-se a fração dos incisos V ou VI.
Nesse sentido, recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus nº 616.267 de SP:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. VIA INADEQUADA. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). PROGRESSÃO DE REGIME. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM. HIPÓTESE NÃO ABARCADA PELA NOVATIO LEGIS. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. CUMPRIMENTO DE 40% DA PENA. ORIENTAÇÃO REVISTA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. CONCESSÃO DE HC DE OFÍCIO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Firmou-se, nesta Superior Corte, o entendimento no sentido de ser irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo). Interpretação da Lei 8.072/90. Precedentes. 3. Com a entrada em vigor da Lei 13.964/19 – Pacote Anticrime –, foi revogado expressamente o art. 2º, §2º, da Lei n. 8.072/90 (art. 19 da Lei n. 13.964/19), passando a progressão de regime, na Lei de Crimes Hediondos, a ser regida pela Lei n. 7.210/84. 4. A nova redação dada ao art. 112 da Lei de Execução Penal modificou por completo a sistemática, introduzindo critérios e percentuais distintos e específicos para cada grupo, a depender especialmente da natureza do delito. 5. No caso, o paciente foi sentenciado pelo delito de tráfico de drogas, tendo sido reconhecida sua reincidência devido à condenação definitiva anterior pela prática de crime comum. Para tal hipótese, inexiste na novatio legis percentual a disciplinar a progressão de regime ora pretendida, pois os percentuais de 60% e 70% foram destinados aos reincidentes específicos. 6. Em direito penal não é permitido o uso de interpretação extensiva para prejudicar o réu, devendo a integração da norma se operar mediante a analogia in bonam partem. (grifos nossos).
Portanto, a aplicação da fração mais gravosa será aplicada nos casos de reincidência específica, tendo em vista a lacuna legal da nova lei nº 13.964/2019, e a revogação expressa do artigo 2º, §2º, da Lei n. 8.072/90, podendo retroagir para aplicação nos casos concretos, eis que é uma norma mais benéfica, operando a analogia in bonam partem conforme salientado no acórdão colacionado.
A lei nº 13.964/2019 trouxe diversas outras alterações na lei de execução penal não benéficas aos apenados, portanto, as alterações que preveem maior rigor na aplicação da pena terão efeito apenas nas ações penais transitadas em julgado após a entrada em vigor da lei nº 13.964/2019, portanto no ano de 2020 em diante.
As alterações na Lei n° 8.072/1990 também foram muito significativas, pois incluíram tipos de delitos patrimoniais no rol de delitos hediondos. Conforme os dados do INFOPEN, aproximadamente 50% dos indivíduos privados de liberdade no país correspondem a delitos patrimoniais e tráfico de drogas, o que acarretará posteriormente um aumento da população prisional em sua totalidade.
Com base nas alterações realizadas, roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo, ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (157, §2º – A e B, Código Penal), agora são classificados como delitos hediondos, nos termos do artigo 1º, II, b, da Lei 8.072/1990. Trata-se de delito patrimonial bastante comum nas varas criminais brasileiras, o que gerará reflexos bastante significativos no incremento da pena em regime mais severo e, consequentemente, na população carcerária.
O roubo qualificado com lesão corporal grave a vítima também passou a ser considerado hediondo (artigo 157, §3º, Código Penal), nos termos do artigo 1º, III da Lei 8.072/90, sendo que antes apenas com o resultado morte (latrocínio) era considerado hediondo.
Ainda, foi classificado como hediondo o furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (artigo 155, §4º-A, Código Penal), nos termos do artigo 1º, IX, da Lei 8.072/1990, focando claramente nos furtos a instituições financeiras e caixas eletrônicos.
Por fim, foi considerado hediondo o delito de organização criminosa, quando direcionados à prática de crime hediondo ou equiparado a hediondo, nos termos do artigo 1º, parágrafo único, V, da Lei 8.072/1990.
Nesse caso, o destino aparente são as denominadas “milícias”, como organizações paraestatais que praticam crimes, e nas organizações que se originaram no sistema prisional, como o Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho. Em ambos os casos, tratam-se de crimes de grande cobertura midiática, o que comprova que o direito penal serve como resposta a clamores populares, independente da técnica ou racionalidade da medida.
No tocante ao tempo de cumprimento máximo da pena, antes de 30 anos, agora com a Lei n° 13.964/2019 a pena máxima de cumprimento da pena passou para 40 anos de reclusão.
É importante destacar que referidas alterações, por não serem mais benéficas aos indivíduos privados de liberdade, não retroagem, possuindo efeitos apenas para fatos praticados após a vigência da referida lei. Já no caso de reincidentes não específicos em delitos hediondos, aplica-se a fração mais benéfica (40%) para a progressão de regime.
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