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Nulidades e processo penal

Nulidades e processo penal

Nulidade é uma sanção imposta pelo Estado-Juiz ao ato que não cumpriu as formalidades estabelecidas pela lei. Em sentido amplo, pode-se dizer que há um vício no ato praticado. A nulidade pode recair, a depender do caso, sobre um só ato ou sobre todo o processo.

Tradicional classificação do ato viciado

  1. Irregularidade: o defeito aqui é sem maior importância. A desconformidade com o modelo legal é mínima. Não chega a prejudicar as partes. Produz eficácia. Ex.: sentença prolatada fora do prazo estipulado pela lei.
  2. Nulidade Relativa: O defeito não chega a resultar em patente prejuízo às partes. Há violação de norma infraconstituicional. O interesse é essencialmente privado da parte. O defeito é sanável. O ato será anulado desde que arguido em momento oportuno pela parte interessada e demonstrado o efetivo prejuízo. Ex.  Incompetência territorial. Embora o crime tenha sido consumado em Porto Alegre (art. 70, CPP), por um equívoco, esta sendo processado em Canoas (incompetência territorial);
  3. Nulidade absoluta: O defeito é grave. Há interesse público aqui, uma vez que são violadas garantias decorrentes, direta ou indiretamente, da Constituição Federal. Não depende de comprovação das partes, o juiz deve inclusive declará-la de ofício. Não há preclusão (insanável, portanto). O prejuízo é presumido. Ex.: Sentença sem fundamentação (violação ao art. 93, IX, CF. Juiz que sem fundamentar condena o acusado; ou, ainda, juiz que sem fundamentar, decreta a preventiva;
  4. Inexistência: O vício é gravíssimo (trata-se de um não ato). Deve o ato apenas ser desconsiderado. Ex.: Sentença proferida por quem não é juiz (ato inexistente).

Princípios aplicáveis às nulidades

  1. Princípio do prejuízo (pas  de nullité sans grief): Nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para a defesa (art. 563, CPP);
  2. Princípio da Instrumentalidade das formas: O ato será considerado válido se a sua finalidade for atingida. A finalidade vale mais que a forma. Só se aplica esse princípio a nulidade relativa. A doutrina reconhece no art. 566, CPP, uma expressão desse princípio “não será declarada a nulidade do ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”;
  3. Princípio da conservação dos atos processuais: Preservação dos atos não decisórios nos casos de incompetência do juízo (art. 567, CPP)
  4. Princípio do interesse: Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para a qual tenha concorrido, ou referente à formalidade cuja observância só interesse à parte contrária (art. 565, CPP). A ninguém é dado se beneficiar da própria torpeza. Somente se aplica às nulidades relativas;
  5. Princípio da causalidade ou contaminação: A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que  dele diretamente dependerem (art. 573, § 1° do CPP). Ao pronunciar a nulidade de um ato, o juiz deverá declara quais outros atos são afetados (§2°). Não basta o ato ser apenas posterior ao ato viciado, é preciso existir nexo causal entre eles.
  6. Princípio da convalidação dos atos processuais: Permite a convalidação ou ratificação de atos processuais eivados de vícios. Impõe-se a sua expressa previsão legal. Exs: arts. 568 a 570, CPP.

Momentos para arguir as nulidades

No que tange às nulidades absolutas, em regra, podem ser arguidas a qualquer tempo. Já as nulidades relativas devem ser arguidas em momento próprio (estabelecido pela lei). Do contrário, não sendo arguidas em ocasião oportuna, serão convalidadas.

Análise do art. 571 do CPP: este dispositivo trata do momento adequado para se arguir uma nulidade. Importante referir que este artigo aplica-se em regra, às nulidades relativas, que são sanáveis, e não as absolutas, que podem ser ventilada a qualquer tempo. Ademais, as nulidades deverão ser arguidas:

I – as da instrução criminal de competência do Júri, dos processos de competência do Juiz singular e dos processos especiais, na fase de alegações finais orais;

II – as do procedimento sumário, no prazo de resposta escrita a acusação, ou se ocorridas após esse prazo, logo depois da abertura da audiência de instrução;

III – as ocorridas após a pronúncia, logo depois de anunciado o julgamento e apregoada as partes;

IV – as ocorrida após a sentença, preliminarmente nas razões de recurso ou logo após anunciado o julgamento do recurso e apregoado as partes;

V – as do julgamento em plenário, em audiência ou sessão do tribunal, ou logo depois de ocorrerem;

VI – ocorrendo nulidade durante a audiência de julgamento de recurso nos tribunais, deverá ser alegada tão logo ocorra.

Nulidades em espécie (art. 564 do CPP)

Este dispositivo não é taxativo. O defeito que ataca o interesse público, mesmo não estando positivado no CPP, é caso de nulidade absoluta.

Nos termos do art. 564, CPP, a nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I – Por incompetência, suspeição ou suborno do juiz

Se for caso de incompetência territorial, a nulidade será relativa. Serão anulados somente os atos decisórios, devendo o processo ser remetido ao juiz competente.

Se for caso de incompetência em razão da matéria ou por prerrogativa de função, a nulidade será absoluta, sendo que todo o processo estará contaminado, a mesma coisa para os casos de suspeição ou suborno do juiz.

II – Por ilegalidade das partes

Se for caso de ilegitimidade para a causa (ex.: MP figurando como autor da ação privada) será hipótese de nulidade absoluta.

Se for o caso de defeito na representação da parte (Ex.: falta de procuração), a nulidade será relativa (sanável, portanto) art. 568, CPP;

III – Por falta das fórmulas ou dos termos seguintes

  • A denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de contravenção penal, a portaria ou o ato de prisão em flagrante. A parte final dessa alínea esta revogada. A falta de inicial penal ou de representação da vítima (quando exigível), por óbvio, provoca a nulidade absoluta. O defeito da inicial ou da representação, a depender da gravidade, também gerará nulidade absoluta. Ex: denuncia que não expõe o fato criminoso com todas as suas circunstância;
  • Falta de exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167 do CPP.

Os crimes que deixam vestígio exigem a realização do exame de corpo de delito (direto). Porém, a falta do exame direto pode ser sanada, por exemplo, por prova testemunhal (exame indireto). A confissão, porém, não pode suprir a falta de exame direto (art. 158, CPP);

  • Falta de nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos.

A parte final do dispositivo esta revogado pelo atual CC, não existe mais curador para réu/indiciado menor. Recorde-se que menor, para o CPP, é o indivíduo que possui entre 18 e 21 anos. Hoje, completados 18 anos de idade, a pessoa tornasse completamente capaz para os atos da vida civil, dispensando-se, a figura do procurador preconizada pelo CPP. 

 A ausência de defensor nas demais situações gera nulidade absoluta (vila a ampla defesa). No caso de a defesa ser deficiente, a nulidade é relativa (Súmula 523, STF).

  • Falta de intervenção do MP em todos os termos da ação por ele intentada, quando se tratar de crime de ação pública.

Conforme a doutrina, a falta de notificação do MP na ação pública gera nulidade absoluta. Já a falta de notificação do MP na ação privada subsidiária da pública gera nulidade relativa;

  • Falta ou defeito da citação, do interrogatório do réu, quando presente, e dos prazos concedidos À acusação e à defesa; 

Falta ou defeito de citação será, em regra, caso de nulidade absoluta. Porém, tal nulidade poderá, excepcionalmente, ser sanada. Veja o que diz o art. 570, CPP, a esse respeito: “a falta ou nulidade da citação, da intimação ou notificação será sanada, desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faço a para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte”.

A falta ou defeito do interrogatório gerará nulidade absoluta.

Falta de prazo para às partes: dependendo do caso (da importância do ato) poderá ser absoluta (alegações finais orais) ou relativa (quesitos ou peritos); 

  • Falta de sentença de pronuncia, do libelo e da entrega das respectiva cópia, com rol de testemunha, nos processos perante o tribunal do Júri.

A falta de pronuncia gera nulidade absoluta. A parte final está prejudicada (não existe mais libelo);

  • Falta de intimação do réu para sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia.  

Deve ser lido de acordo com a reforma de 2008. Intimado o réu solto para a sessão plenária, caso não compareça, o julgamento poderá ser realizado à revelia (independentemente se afiançável ou inafiançável o delito) – art. 457, CPP. Em caso de réu preso, se este não solicitar dispensa, não poderá ser julgado à revelia, §§ 1° e 2°;

  • Falta de intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei.

Deve ser lido conforme a reforma. Não há mais libelo. Hoje trata-se do art. 422, CPP. Gera nulidade absoluta;

  • Falta de pelo menos 15 jurados para a constituição do Júri. Configura nulidade absoluta. Acrescente-se, porém, que: “Não enseja nulidade a complementação do número regulamentar mínimo de 15 jurados, por suplentes do mesmo tribunal do Júri” (STJ 34357/SP. Dje 19.10.2009 e HC 227.169/SP, 5ª Turma, DJ 11.02.2015); 
  • Falta ou defeito no sorteio dos jurados  do conselho de sentença em número ilegal e sua incomunicabilidade. Configura nulidade absoluta.
  • Falta ou defeito na elaboração dos quesitos e nas respectivas respostas. 

Configura nulidade absoluta. Súmula 156 do STF: “é absoluta a nulidade do julgamento, pelo Júri, por falta de quesito obrigatório”.

  • Falta da acusação ou da defesa, na sessão de julgamento. Configura nulidade absoluta (Súmula 523 STF);
  • Falta de sentença. Configura  nulidade absoluta;
  • Falta de recurso de ofício, nos casos em que a lei  tenha estabelecido.

Não se trata propriamente de nulidade absoluta, mas de impedimento do trânsito em julgado da decisão até que ocorra a remessa necessária;

  • Falta da intimação das partes quanto às decisões recorríveis. Configura nulidade absoluta.
  • No Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Justiça, falta do quórum legal para julgamento. Configura nulidade absoluta;

IV – Por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato. Configura nulidade absoluta. Ex: Denúncia lacônica.


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Jader Santos

Advogado criminalista

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