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O acordo de não persecução penal tem efetividade?

O acordo de não persecução penal tem efetividade?

O acordo de não persecução penal foi inserido no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, popularmente conhecida como pacote anticrime. Sua missão precípua é buscar trazer celeridade ao processo penal, por meio de uma justiça criminal consensual em que o Ministério Público poderá (em determinados casos) negociar com o investigado/réu sua culpa, sem implicar para este, restrição de liberdade e reincidência

A Lei 13.964/2019 se baseou no que concerne ao acordo de não persecução penal no artigo 18 da Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, que teve posterior alteração de redação do texto pela Resolução 183/2018.

O CNMP ao editar a Resolução acima mencionada teve como objetivo aumentar a justiça consensual no ordenamento jurídico brasileiro, com base na garantia constitucional de celeridade, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República, no princípio nec delicta maneant impunita  (nenhum crime deve ficar impune), princípio da intervenção mínima do sistema penal, princípio da oportunidade e princípio da Segurança Jurídica.

Além dos princípios acima, a eficiência do acordo de não persecução penal gera economia para o Estado, visto que com um simples acordo feito pelo Ministério Público e investigado (na presença de seu advogado) poderá ser arquivado um procedimento que sendo levado adiante, ou seja, se tornando um processo criminal, demora cerca de 3  anos e 2 meses na Justiça Estadual e 2 anos e 4 meses na Justiça Federal, segundo o Conselho Nacional de Justiça no ano de 2017. Conforme se vê aqui (p. 138).

Os requisitos do acordo de não persecução penal estão previstos no caput do artigo 28-A, do Código de Processo Penal. Conforme se extrai do mencionado artigo, os requisitos são: a) não ser o caso de arquivamento; b) crime com pena mínima em abstrato inferior a 4 (quatro) anos; c) o delito não ter sido cometido mediante violência ou grave amaça à pessoa; e d) o investigado/acusado tiver confessado formal e circunstanciadamente.

O artigo 28-A, do Código de Processo Penal elenca as hipóteses e que não se aplicam o acordo de não persecução penal, sendo elas: a) se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais; b) se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; c) ter sido o agente beneficiado no 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condiciona do processo; e d) nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito, sendo firmado pelo membro do MP, pelo investigado e seu advogado. O acordo será remetido ao juízo para que este profira Decisão homologando o termo ou decida pela reformulação do acordo.

Em caso de homologação do acordo, é realizada uma audiência para que o juiz tenha condições de verificar a voluntariedade do investigado em realizar o acordo, visto que o acordo deve ser ato bilateral. Findando a audiência e o juiz entendo que houve voluntariedade por parte do investigado, os autos são remetidos ao MP para dar início a fase de execução penal do acordo. Isso tudo com base nos §§ 3º ao 7º, do artigo 28-A, do CPP.

Tendo em vista que para que o investigado possa fazer jus ao acordo de não persecução penal, todos os requisitos devem ser preenchidos, o que acarreta a problemática que passaremos a demonstrar.

O Ministério Público Federal publicou em seu site uma apresentação do acordo de não persecução penal. Segundo consta, até a data de 24/01/2020, foram realizados 1199 acordos de não persecução penal propostos pelo Ministério Público Federal, o que é louvável. Analisando os crimes que mais tiveram a concessão do acordo, verifica-se que dos 1199 acordos, 322 foram em relação ao crime de contrabando ou descaminho (art. 318, CP); 188 em relação ao delito de estelionato majorado (art. 171, CP); e 136 em relação ao crime de uso de documento falso (304, CP). Como se pode observar aqui

Com base no levantamento nacional de informações penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional de 2017, verifica-se que a população carcerária até junho de 2016 era de 726.712 reclusos. Dentre os homens, 26% dos reclusos estão presos pelo crime de tráfico de drogas (art. 33, da Lei 11.343/06); 26% pelo crime de roubo (art. 157, CP); e 12% pelo delito de furto (art. 155, CP). Enquanto com relação as mulheres, 62% foram presas pelo cometimento do crime de tráfico de drogas (art. 33, da Lei 11.343/06); 11% pelo crime de roubo (art. 157, CP); e 9% pelo delito de furto (art. 155, CP). Conforme se verifica aqui.

Comparando os dados do MPF com os do DEPEN, percebe-se que o acordo de não persecução penal, não é capaz de efetivamente gerar celeridade na Justiça criminal, visto que suas hipóteses de cabimento se restringem a crimes que não possuem amplo cometimento na sociedade, pelo menos no que concerne ao encarceramento, talvez porque esses crimes já permitem medidas despenalizantes. 

O fato é que para ocorrer efetivamente economia processual, celeridade processual e economia aos cofres públicos, objetivos estes da inclusão do acordo de não persecução penal em nosso ordenamento jurídico, deve haver uma alteração legislativa eliminando ou suavizando os requisitos e as hipóteses que excluem a concessão do acordo, principalmente para incluir o crime de tráfico de drogas (art. 33, da Lei 11.343/06), o que acarretaria a diminuição efetiva de processos criminais, a resposta rápida e eficiente à sociedade e o desencarceramento em massa.


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