O advogado criminalista e o desafio das nulidades no Tribunal do Júri
Por Osny Brito da Costa Júnior
Um dos grandes desafios do Tribunal do Júri é identificar as principais nulidades que podem surgir durante a sessão de julgamento e como proceder diante de sua ocorrência. O advogado deve ficar atento para “plantar” as nulidades e argui-las, em caso de condenação, em eventual apelação criminal.
No Tribunal do Júri as nulidades devem ser arguidas no momento em que ocorrerem, sob pena de preclusão do ato e perecimento do direito do constituinte, conforme estabelece o art. 571, inciso VIII, do CPP.
Dessa forma, as nulidades posteriores a sentença de pronúncia, devem ser protestada pelo defensor na abertura da sessão de julgamento, logo após apregoadas as partes e antes da escolha dos jurados (art. 571, V, e art. 447, ambos do CPP), também durante a instrução em plenário e durante os debates orais, deve ser protestada no momento em que ocorrerem (art. art.571, inciso VIII, CPP) e, por fim, deve ser protestada após a leitura e antes da entrega dos quesitos aos jurados (art. 484, CPP). Em todos os casos o defensor deve pedir a palavra pela ordem e requerer o protesto da nulidade consignando em ata, exemplo:
“Exma. pela ordem, a defesa sustenta a nulidade absoluta e insanável do presente julgamento pela ausência de quesito obrigatório, causando absoluto cerceamento de defesa e grave violação do princípio constitucional da plenitude de defesa …, requerendo desde já no caso de indeferimento o registro do presente protesto…”.
Diante disso, o defensor deverá requer o refazimento do ato sem a propositura do vício ou quando impraticável, acometido de dano irreparável ou grave violação aos princípios constitucionais, deve requerer a imediata dissolução do conselho de sentença.
Importante frisar que o defensor deve sempre consignar o protesto em ata, conforme estabelece ao art. 494, do CPP. Ocorre que atualmente muitas sessões de julgamento são gravadas em mídia-eletrônica, podendo o magistrado-presidente informar que o protesto está registrado em áudio, nesse caso, o defensor deve se insurgir e insistir no registro, pois a ata é o espelho fidedigno de tudo que ocorre durante a sessão de julgamento, sob pena da nulidade fustigada não ser conhecida eventualmente no Tribunal, senão vejamos um precedente, in verbis:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DISPENSA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS ARROLADAS. AUSÊNCIA DE PROTESTO DA DEFESA. ALEGAÇÃO REALIZADA POSTERIORMENTE À EMISSÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. OCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JÚRI. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA PLENITUDE DE DEFESA . RECURSO DESPROVIDO. 1. Não constitui cerceamento de defesa a dispensa da oitiva de testemunhas arroladas, principalmente, devido à inércia da Defesa que não protestou o fato, consoante se verifica da ata de julgamento da Sessão do Tribunal do Júri. 2. Na hipótese, observa-se que a nulidade apontada pelo Recorrente não pode ser sanada no âmbito do presente recurso, pois foi alegada após o decurso de mais de três anos desde a Sessão do Tribunal do Júri, ocorrida em 29 de setembro de 2009, o que corrobora a preclusão da matéria. … (STJ – RHC: 40368 PB 2013/0281751-9, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 21/11/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2013)
Ressalta-se por oportuno que o art. 478 do CPP, estabelece expressamente que durante os debates as partes não poderão fazer referências, sob pena de nulidade:
I) à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgarem admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II) ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.
Na hipótese (I), veda-se às partes (acusação/defesa) a leitura no plenário da decisão de pronúncia (decisão que encaminha o réu ao plenário do júri, havendo indícios de autoria e prova da materialidade), e posteriores que a confirmarem (acórdão do Tribunal no julgamento de recurso em sentido estrito, embargos, recurso especial e extraordinário), bem como a decisão que determine o uso de algema, em casos excepcionais, pois no plenário do Júri, o uso de algemas são expressamente vedados (art. 474, §3º, CPP), medida que entendemos totalmente acertada, para evitar criar símbolo de culpa e induzir os jurados em erro e ainda nos termos Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito…”,
Veda-se ainda nos debates o chamado argumento de autoridade, para garantir a soberania do corpo de jurados e independência de suas decisões, as quais devem ser tomadas sem influências tendenciosas e dirigidas a comprometer a imparcialidade, tal proibição visa impedir um julgamento prévio, exemplo, promotor afirma:
“…O réu foi pronunciado, é culpado, tá aqui, olha o que diz a pronúncia, foi o desembargador …, ele nunca se engana, condenem…”
Entendemos que a defesa é plena no Júri e não pode ter amarras legais, considerando que a pronúncia e demais decisões são peças já conhecidas das partes, provas lícitas constante nos autos, e considerando ainda o fato que os jurados recebem cópia da pronúncia (art. 472, parágrafo único, CPP), sustentamos que se for necessário o defensor deve sim utilizar-se de tais peças, para garantir a absolvição do seu constituinte, não havendo nulidade a simples leitura ou menção, in verbis:
“As referências ou a leitura da decisão de pronúncia durante os debates em plenário do tribunal do júri não acarretam, necessariamente, a nulidade do julgamento, que somente ocorre se as referências forem feitas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado. (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1235899, j. 05/11/2013)”.
Na hipótese (II), é certo que a acusação não poderá fazer menção ao silêncio do réu, sob pena de nulidade absoluta, explico, o interrogatório é o momento em que o réu oferece a sua versão a respeito dos fatos em apuração, tendo a garantia constitucional do direito ao silêncio, (art. 5º LXIII, CF; art. 186, parágrafo único, CPP), silêncio este que não deve ser interpretado em desfavor da defesa, veda-se que o promotor faça qualquer menção nos debates, exemplo:
“ficou em silêncio é culpado, quem cala, tem culpa no cartório”.
De mais, sendo os jurados leigos (juízes do fato) e julgam conforme sua íntima convicção, consideramos essa referência ao silêncio como um dos símbolos de culpa social, o que deve ser evitado no Júri, pois trata-se apenas do exercício do direito de não produzir prova contra si mesmo, recomendamos que a defesa reserve um tempo durante os debates para explicitar aos jurados os motivos do uso do silêncio, sem que desse fato se possa extrair consequência negativa ao acusado.
Veda-se ainda, nos termos do art. 479, do CPP, a leitura de documentos ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Assim, o advogado deve ficar atento para contagem do tríduo anterior a sessão de julgamento, para juntada tempestiva de documentos (CD, DVD, fita, foto, escritos, desenhos, esquemas), levando em conta que são dias úteis, sob pena de cerceamento e desentranhamento da peça.
Ademais compreende-se na proibição a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.
Assim, se o documento versar sobre fato não submetido à apreciação e julgamento dos jurados, como revista ou livro de doutrina jurídica, não há qualquer impedimento, não havendo necessidade ser juntado no tríduo legal, em minhas defesas sempre levo muitas doutrinas especializadas (penal, processo penal, medicina legal) e livros de reflexão.
Qualquer incidente que ocorra durante o julgamento e cause cerceamento a atuação da defesa, é passível de ser arguido como nulidade, tendo como base os princípios constitucionais e com fundamento legal no art. 571, inciso IV do CPP, dessa forma, exemplificando o indeferimento de testemunha devidamente intimada, não juntada de laudo ou documento requerido pela defesa, quebra da incomunicabilidade entre os jurados, ausência do mínimo de 15 jurados, ausência de intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia, familiares da vítima com camisas com fotos, uso de vestimentas do presidio pelo réu, uso de algemas em plenário, entre outras, que poderão configurar nulidade processual.
O advogado no Tribunal do Júri deve ficar atento para as nulidades pedindo a palavra pela ordem e protestar, no caso de indeferimento, lançar mão do imediato registro em ata e no caso de condenação, suscitar as nulidades como sede de preliminar, nos termos do art. 593, III, a, do CPP, ou seja, nulidades posteriores à sentença de pronúncia, já tivemos casos em que foi reconhecida nulidade em segundo grau, sendo anulado Júri de réu já condenado, vindo a novo julgamento, inclusive anulado mais de uma vez por conta das nulidades, interessante destacar que nesses casos, eventual condenação em novo Júri, não poderá ser mais gravosa que a condenação anulada.
O bom tribuno é forjado no Júri, com a experiência dos casos, assistindo e realizando, buscando sempre aperfeiçoar-se na arte da defesa. A advocacia criminal, como afirmava Sobral Pinto, não é profissão para covardes, o Tribunal do Júri, como afirma Ércio Quaresma, não é para aventureiros, e arremato, não é para os fracos. O que está em jogo é a vida/liberdade, jamais vencido até o último voto revelado, mesmo após o transitado em julgado.