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O advogado criminalista frente à acusação de desacato

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Por Anderson Figueira da Roza

Há algumas semanas recebi um pedido de um querido seguidor do Canal Ciências Criminais para que eu escrevesse sobre o crime de desacato e suas atuais implicações, além de referenciar também sobre a possibilidade de sua revogação prevista em projeto de lei na Câmara dos Deputados.

Pois bem, primeiramente é preciso relembrar o artigo 331 do Código Penal: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.

Necessário ainda é entender o significado do verbo desacatar, consiste então em ato de “faltar com o devido respeito; tratar com irreverência; desprezar”.

Feitas essas considerações iniciais, já se tem um grande problema, pois o núcleo do delito passa a ser uma questão de educação, com significado amplo, pois é necessário entender o que seria “o devido respeito” nos dias atuais. No país em que vivemos, onde possuímos um amplo espectro cultural e educacional separado por regiões geográficas distintas, as próprias vítimas do delito – os funcionários públicos também possuem educação diferenciada.

A complexidade é tamanha de tratar o desacato como sendo crime, relembrando aqui que é mais um dos delitos de menor potencial ofensivo, que será processado em algum juizado especial criminal, bastando saber apenas se foi cometido contra funcionário público municipal, estadual ou federal, para determinação da respectiva competência, pois depende primeiro da iniciativa do funcionário público de sentir-se ofendido ou desrespeitado, para depois dirigir-se a uma delegacia de polícia e registrar uma ocorrência policial em desfavor do ofensor, para depois haver processo.

É importante também entender que o direito penal por ser a ultima ratio, não deveria elencar tipos penais dessa ordem, que tranquilamente podem ser tratados na esfera do direito civil, com ações indenizatórias, ou quando muito, dependendo do grau da ofensa ser processado como calúnia, injúria ou difamação.

Além disso, é preciso também entender que diante de discussões envolvendo funcionários públicos em serviço, pode haver do outro lado um advogado também em serviço, sendo que este último nesta situação possui imunidade profissional segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, pela Lei 8.906/94. Sob esse prisma caberia até um novo artigo para confrontar a violação de prerrogativas do advogado e o desacato. Necessário conhecer quais ofícios possuem imunidades.

Existem projetos de lei no Congresso Nacional, que buscam a revogação expressa dos delitos de desacato e também do abuso de autoridade. Dentre eles ressalta-se o PL 602/2015 de autoria do deputado federal Jean Wyllys e o PL 2769/2015 de autoria dos deputados Wadih Damous, João Daniel e Jandira Feghali.

Porém, já existem decisões no Brasil, reconhecendo que o crime de desacato está em desacordo com Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), especificamente com o artigo 13, que garante liberdade de pensamento e expressão, fundamentalmente por que se alia à citada Convenção, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou no ano de 2.000, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, sendo que este documento possui a finalidade de contribuir para a definição e abrangência do artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica. Considerando que o item 11 da Declaração determina “que as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecida come ‘leis de desacato’, atentam contra a liberdade expressão e o direito à informação”.

Então, pode-se afirmar que o crime de desacato e aqueles cartazes colocados muitas vezes em repartições públicas alertando as pessoas que vão solicitar o serviço do Estado, estão com os dias contados.

AndersonFigueira

 

Anderson Roza

Mestrando em Ciências Criminais. Advogado.

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