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O advogado e o Tribunal do Júri

O saudoso jurista Baiano Rui Barbosa já nos ensinou que “A defesa é de direito para todos os acusados, não havendo crime, por mais hediondo, cujo julgamento não deva ser assistido da palavra acalmadora, ou retificadora, ou consoladora, ou atenuadora, do advogado”. No Tribunal do Júri não poderia ser diferente, ainda mais considerando que este, por peso constitucional, tem como pilar básico a Plenitude de Defesa[1].

O advogado e o Tribunal do Júri

Para todos aqueles que atuam na seara criminal, o momento do Júri é único. Os dias que antecedem o plenário são de enorme nervosismo para o advogado, sentimento ímpar que de forma genial foi descrito como “estado de Júri” por Evandro Cavalcanti Lins e Silva, em sua obra “A Defesa tem a Palavra”.

O advogado sabe que terá pouco tempo para manejar a tese defensiva, desdizer tudo aquilo que até então foi posto pela acusação, e muitas vezes lutar contra uma posição condenatória já formada pelo Conselho de Sentença por conta de toda a influência midiática que algumas vezes ocorre previamente ao julgamento.

Porém, cabe ao advogado(a), e tão somente a ele(a) o dever de defender o réu com toda a sua inteligência, conhecimento dos fatos, persuasão, e, principalmente, aquele brilho no olhar que só quem está de frente ao Júri popular defendendo um inocente tem.

A vibração, coragem e entusiasmo fazem parte da oratória defensiva, como lembra Evandro Lins e Silva “Ninguém ouviu grande defesa sem a vibração, o calor, o entusiasmo, o arrebatamento do advogado. Defesa sem vigor, sem dedicação ardente, sem sentimento, é defesa sem vida, fria, fadada ao insucesso, defesa de perdedor de causas”. Mas devemos sempre lembrar que o mesmo autor também ensinou que “Não é preciso defender “bonito”, é preciso defender útil”.

Não são raras as vezes em que, no exato momento em que a acusação termina sua explanação, começa um burburinho no plenário. Muitos ali começam a duvidar de uma possível absolvição e os jurados já começam a olhar para o réu de forma diferente, com olhar de reprovação. Nesse momento, a pequena esperança que ainda havia no interior do réu vai embora, a certeza da condenação se faz certa, e o desespero aflige até o mais confiante dos homens.

Mas cabe ao advogado ficar frio, lúcido, sempre lembrando que tem nas mãos a missão de reverter tudo, devendo falar, falar, incansavelmente falar, até que não haja mais argumentos ou força para demonstrar ponto por ponto da tese defensiva.

O nervosismo não pode, em hipótese alguma, devastar a tese defensiva. O advogado é a última barreira de um estado democrático de direito, de um julgamento justo. Muitas vezes é justamente a fala do advogado que diferencia uma pessoa absolvida de uma condenada a pena de trinta anos, mesmo sendo inocente.

A exposição é muito grande, todos estão ali esperando o veredicto, muitos querendo a culpa do acusado, muitos querendo fazer a “justiça” com as próprias mãos, e muitos fazendo do julgamento um mero ato formal para uma punição injusta e ilegal.

Mas, de fato, vovô Sobral[2] tinha razão “a advocacia não é profissão para covardes”. É dever do advogado lutar contra o poder de sedução que o Ministério Publico sempre possui aos olhos dos jurados e perante a mídia. Na verdade, há promotores de justiça que tem verdadeiros “fãs- clubes” em meio aos sete juízes populares. Contra todo esse imbróglio existe a luta do advogado, muitas vezes de forma solitária, na calada da noite, estudando os argumentos defensivos, ocasião em que o pensamento pessimista nunca pode estar presente, pois o legítimo advogado morre junto com a sua esperança.

Ao tomar a palavra para começar o discurso, as pernas vacilam, tremem as mãos, o coração bate aceleradamente, sobe a pressão arterial, e isso acontece a todos os advogados, moços ou velhos, porque o medo não arrefece com o tempo, talvez se agrave (…) O medo, a angústia, a ansiedade, esse estado emocional, tudo desaparece com as primeiras palavras. Em poucos minutos, o advogado, verdadeiramente advogado, é dono e senhor da tribuna, domina a sala, todos presos à sua palavra, ao seu fascínio, ao seu magnetismo pessoal[3].

Todos esperam do advogado um argumento diferenciado, uma posição confrontante com o trazido pela acusação e que até então foi apresentado. Até aqueles que estão querendo uma condenação esperam do advogado um debate leal e munido por alguma “novidade”, nem que seja as vezes um novo olhar sobre uma prova já apresentada pela acusação. Na verdade, até o acusador espera isso. Os bons promotores e que de fato pertencem ao júri esperam um advogado desafiador.

E não há nada mais frustrante do que um advogado fraco e despreparado: o Júri perde, a defesa e a sociedade também.

Para ser um advogado do Tribunal do Júri há que se ser um apaixonado, pela defesa, pelo desafio e, principalmente, pelo ser humano. Advocacia de Júri não é para aventureiros, já que o plenário é o palco das mais legítimas tragédias humanas. É um local democrático, todos podendo nele atuar, bastando para isso que tenham dedicação e paixão.

Muitos ainda desejam acabar com o plenário popular, por considerá-lo ilegítimo, mesmo notoriamente sendo esse o mais democrático dos Tribunais. Sobre esse ponto, resta uma dúvida: a quem interessa não ouvir a voz do povo?

[1] https://canalcienciascriminais.com.br/plenitude-defesa-juri/

[2] ref. a música Vovô Sobral, de João Nogueira.

[3] Silva, Evandro Lins e, 1920-1998. A defesa tem a palavra / Evandro Lins e Silva. – 4a ed. – Rio de Janeiro: Booklink, 2011. pag 33

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Daniel Zalewski

Advogado. Coordenador de pesquisa jurisprudencial no Canal Ciências Criminais.

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