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O advogado que parou o mundo

O advogado que parou o mundo

A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim…

Ivo não sabe o porquê, mas o trecho de uma das músicas dos Racionais MC`s veio à sua cabeça neste momento tão terrível de sua vida. Eu preferia estar morto, pensa consigo, com as duas mãos voltadas ao rosto.

São 17 horas e 30 minutos de uma quinta-feira do mês de novembro. Ivo está preso em uma cela improvisada na Polícia Militar do estado de São Paulo. Advogado criminalista há 30 anos e professor de processo penal há mais de uma década, Ivo sempre atuou de maneira correta, dentro dos limites éticos na profissão. A relação advogado-cliente nunca foi por ele desrespeitada.

Injustiça é a palavra que lhe vem à mente. Preso logo agora em que está vivendo o seu melhor momento profissional. Há poucos meses foi considerado um dos melhores advogados criminalistas do estado de São Paulo. Sua intensa atuação no Tribunal do Júri sempre foi reconhecida pelos seus pares. Obteve resultados expressivos nos plenários. Mas também colheu desafetos, todos eles advindos do Ministério Público!

Por mais paradoxal que pareça, os grandes tribunos, sejam eles advogados ou promotores, sempre emocionaram Ivo. Os grandes tribunos sempre fizeram brotar em Ivo uma energia sem fim. Mas Ivo não sabe o motivo de alguns Promotores de Justiça levarem para o lado pessoal as discussões no plenário do júri. Aprendeu com os advogados mais antigos que tudo o que acontece no júri fica no júri.

Lembrou, inclusive, de um dos Dez Mandamentos do Advogado, de Eduardo Couture:

OLVIDA

A advocacia é uma luta de paixões. Se em cada batalha fores carregando tua alma de rancor, sobrevirá o dia em que a vida será impossível para ti. Concluído o combate, olvida tão prontamente tua vitória como tua derrota.

Ivo sempre gostou de trabalhar contra Promotores de Justiça aguerridos. E sempre esqueceu as ofensas que a ele foram proferidas nos debates orais em julgamentos pelo júri. Por muitas vezes pediu perdão ao Ministério Público quando falou de forma mais acalorada. Mas nunca pediu perdão por fazer o seu trabalho. Não foram raras as ocasiões em que deixou o seu coração no plenário durante a defesa de um cliente.

Nunca em sua vida Ivo quis o mal de alguém. Quanto mais de um promotor, juiz, policial ou qualquer serventuário da justiça. Ele sempre encarou todas essas pessoas como suas colegas de trabalho. Mas as acusações que pesam contra Ivo são terríveis. Está sendo apontado como o pior criminoso do país. Seu nome ocupa agora os mais diversos meios de comunicação. As redes sociais se deliciam com sua história. Grupos de WhatsApp não falam de outra coisa. Afinal de contas, prisão de advogado dá ‘Ibope’. Ainda mais quando a manchete é

Preso o advogado de facção.

Ivo quer esquecer os detalhes da terrível denúncia. Ele já sabe quem está por trás de tudo isso, mas é preciso manter a calma. Como é difícil estar do outro lado! Logo ele que sempre foi um homem de gelo, que pedia tranquilidade para seus clientes presos. Logo ele que pedia calma aos familiares no momento da prisão de seus entes queridos. Um turbilhão de pensamentos tomam conta de Ivo nesse momento.

Minha carreira acabou. Meus clientes vão deixá-lo. Meus amigos vão se afastar, desespera-se por alguns instantes. Ivo sabe que prisão preventiva não tem prazo. Sabe-se lá quanto tempo ficará preso por causa essa denúncia falsa. Nenhum magistrado ousaria soltá-lo. Nenhum julgador correria o risco de desagradar a opinião pública.

Ivo não para de pensar em sua esposa e seus filhos sofrendo uma enxurrada de falsas informações. Pensa nas contas que vão chegar. Pensa na sua família, desamparada, sem condições de honrar com os compromissos financeiros. Logo ele que lutou a vida inteira para oferecer o melhor à sua família e proporcionar o que ele, durante toda sua vida, nunca teve. 

Mas agora ele está preso. O calor tá terrível na penitenciária. A cela é pequena e abafada. Seu coração está disparado nesse instante. Ivo está convencido de que irá enfartar. Pede a Deus para levá-lo de uma vez. Eu não mereço tudo isso, reflete. Mas Ivo pensa na sua esposa e seus filhos, as pessoas mais importantes de sua vida. Ele arranja forças para suportar esse momento e encontrar uma saída.

Outro turbilhão de pensamentos vem à sua cabeça novamente. Quem atenderá meus clientes? Quem fará minhas audiências? Quem ministrá as aulas para meus alunos? Como ficará a prestação de minha casa? Ivo não consegue parar de pensar. Ele precisa falar com alguém. Desde que foi preso não falou com ninguém. Nenhum representante da OAB apareceu. Nem um sócio, um amigo… ninguém.

Ivo está preso, recluso. Ele escuta um barulho, ouve vozes perto de sua cela. Um policial militar então pergunta:

Vieram falar com o advogado de facção?

Nesse momento Ivo entende o estigma que recai sobre si. Ele é visto como o advogado de facção. Ele deve buscar forças para virar o jogo. Não será fácil, mas ele não está determinado a se entregar. Sou inocente e mesmo não tendo que provar minha inocência [ônus da acusação] eu vou virar esse jogo. Minha família merece isso. Eles mexeram com o cara errado! Vai ser difícil, mas vou virar esse jogo, reflete Ivo.

O policial, com sorriso irônico, aproxima-se da cela e diz:

Tem visita para ti, ‘anel’. Acho que é o teu Doutor…

A parte 2 de O advogado que parou o mundo continua na próxima semana…


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Jean Severo

Mestre em Ciências Criminais. Professor de Direito. Advogado.

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