O amor e a paixão no banco dos réus
Por Anderson Figueira da Roza e Jean de Menezes Severo
Pode ser que alguns saibam, mas outros não. No Brasil foi escolhido o dia 12 de junho como o Dia dos Namorados por razões unicamente comerciais, já que é a véspera do Dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, diferentemente da data original celebrada nos Estados Unidos e na Europa, que é o dia 14 de fevereiro. A razão mais óbvia é que, no Brasil, essa data coincidiria algumas vezes com o Carnaval, o que seria um grande fracasso.
Remonta a história que os deuses romanos Juno e Lupercus eram os protetores dos casais e no dia 15 de fevereiro houvera uma grande festa onde os rapazes colocavam os nomes das moças num pedaço de papel para serem sorteados. O papel retirado por cada um teria o nome da sua esposa. Muitos desses casais realmente se apaixonavam, porém, eram impedidos pelas suas famílias de se casarem. Então, um padre, de nome Valentino (Valentim), passou a realizar esses matrimônios às escondidas, para que os casais não ficassem sem as bênçãos de Deus, e depois fugirem. Dessa forma, o dia 14 de fevereiro passou a ser considerado o dia de São Valentin, sendo a data comemorada nos Estados Unidos e na Europa.
Tudo seria ótimo se no mundo só houvesse amor, mas há ingredientes com vários sentimentos que muitas vezes mudam a perspectiva de um relacionamento. E é aí que nós iremos nos concentrar a partir de agora. A passionalidade traz consigo os excessos (o ciúme, a raiva, o ódio), todos na mesma medida ou até superior ao amor. E é na seara criminal que os excessos são sentidos.
Quem deseja atuar na área criminal sabe que mais cedo ou mais tarde terá um caso envolvendo crime passional. Os mais comuns resolvem-se na Vara da Violência Doméstica, mas também poderão surgir homicídios e processados na Vara do Júri.
Um bom advogado criminalista vai se deparar com a seguinte situação: um casal se desentende; um tenta matar o outro, seja com as mãos, com faca, revólver ou qualquer instrumento hábil no momento; o problema é que, algumas vezes, os vizinhos cansam dessa brincadeira e chamam a polícia. O agressor(a) às vezes é preso(a), o(a) o(a) agredido(a) diz: Não! Agora chegou! Está tudo terminado! Os vizinhos agradecem, as famílias também se satisfazem com o desfecho. Mas …
Acontece que não é nada incomum essas pessoas se reconciliarem, afinal, em relacionamentos doentios, com o perdão da redundância, as doenças se complementam e já vimos júris e casos de violência doméstica que, depois de instaurado o processo, vítima e acusado(a) chegam de mãos dadas no Foro ou chegam brigados um com o outro e saem de mãos dadas na frente do promotor, juiz e jurados, relatando que tudo não passou de um terrível engano e enaltecem as virtudes um do outro.
Porém, será mesmo que se mata por amor? Amor e ódio podem andar juntos e dividir o mesmo coração?
Nunca tivemos a menor dúvida que a mulher é um ser humano superior ao homem. Talvez a possibilidade de gerar uma vida a tenha transformado neste ser tão especial. Todo advogado que precisa atender algum preso, acaba comparecendo coincidentemente com dias de visita das mulheres aos presos. Nestas situações, depara-se com a seguinte realidade: Nas filas para a entrada das visitas no presídio ou na saída após a visita, quem sempre entra ou sai do presídio é uma mulher, de chinelo de dedos e meias aquecendo os pés e muitas delas, carregando pelos braços uma criança.
São esposas, mães, avós, tias, madrastas que enfrentam as maiores dificuldades e humilhações para dar apoio e principalmente ESPERANÇA ao preso recluso, que não deixou de ser esposo, filho, neto, sobrinho ou enteado.
E daí você se pergunta: Onde esta o pai, o irmão, o avô, o tio o padrasto? Será que o ente querido após ser preso, para os familiares masculinos deixa de ser parente? É melhor esquecê-lo e o deixar sozinho a própria sorte, pois, afinal de contas, ele cometeu um crime e deve pagar sua pena sem apoio de ninguém uma vez que ele é homem?
O que mantém o preso vivo são essas visitas feitas por essas mulheres maravilhosas, anjos na terra, que perdoam com mais facilidade do que os homens; que estendem a mão ao filho que errou e que acreditam na recuperação do ente querido. São mulheres que amam mais do que qualquer um neste mundo e que não matam por amor, e sim vivem pelo amor, é o próprio amor, portanto, nunca me venham com aquele “papinho furado” que diz: Ele matou por que amava demais. Não, ele matou pela cultura machista que admite lavar a honra com sangue.
Selecionamos alguns casos envolvendo crimes passionais, homens que mataram e/ou agrediram suas companheiras por ciúmes ou traição.
O primeiro deles foi quando ingressou no escritório um homem, com pouco mais de trinta anos, tenso, dizendo que precisava de um advogado. Narrou os fatos, ele havia dito que algumas vezes tinha agredido sua esposa, porém, na última vez, teria a machucado e muito. Após verificação junto ao Foro, a surpresa: nada menos que 18 (dezoito) ocorrências na Vara da Violência Doméstica, sendo que a sua mulher, quando comparecia às audiências, dizia que não queria dar seguimento ao processo.
O problema é que, nessa última ocorrência, ele realmente desfigurou a mulher, tendo sido os vizinhos convidados a comparecer à delegacia para se prontificarem a serem testemunhas. Dessa vez, fora decretada a prisão preventiva do agressor.
Por esses fatos ele estava sentado ali na frente. No fundo, ele não queria ser preso. No meio da conversa, ele reafirmava: A gente (ele e a companheira) vai se entender. Sei que errei, mas ela vai me desculpar e voltaremos a ficar juntos. Já estou falando com ela ao telefone.
Nessas horas, você, advogado, tem que tomar uma decisão, e a decisão tomada como advogado foi esta: Não iria atender esse caso, pois essa história não teria um final feliz. Facilmente os depoimentos seriam contraditórios ou a culpa cairia em outra pessoa. Enfim, quando a vítima não quer ver o agressor condenado, é capaz de qualquer coisa para não ver o outro preso. A saída? O valor dos honorários, mas antes deixando um recado para ele.
Explicado, então, ao sujeito que embora não concordasse com os objetivos dele no processo, seria possível revogar sua prisão preventiva. Mas com sinceridade, também foi dito a ele que mais cedo ou mais tarde ele mataria a sua mulher, por culpa de ambos, pois se amavam doentiamente e se desrespeitavam violentamente por conta disso. A cada palavra dita a ele, nesses termos, ele suava, se irritava, se agarrava nos encostos laterais da cadeira de aproximação. Ele estava prestes a berrar ou dizer algo para terminar a conversa. Hora de apresentação dos honorários, estipulados em um patamar absurdamente estratosférico para que ele simplesmente fosse embora e assim o fez.
Na verdade, quando ele foi embora, deu para notar que, de tanta força que ele segurou as guardas da cadeira de aproximação, elas simplesmente quebraram. Um pequeno prejuízo, mas um conforto moral de não ter ajudado a livrar uma pessoa da prisão naquele instante, que fatalmente iria terminar num futuro homicídio.
Na continuidade dos acontecimentos, novos casos, e de novo os passionais, ah os passionais…
O segundo caso é de um homem que matou a ex-noiva, uma vez que ele não aceitava o término do noivado. A hipótese de saber que a vítima, uma jovem com pouco mais de vinte anos na época, fosse feliz novamente, deixou este homem louco. Matou-a com vários tiros no trabalho dela, não fugiu e não resistiu à prisão. Inclusive, foram realizadas poucas entrevistas com ele, que dizia que não queria defesa nenhuma e que o mal que lhe causava a dor havia cessado com a morte da vitima. Queria apenas “puxar” sua cadeia em paz. A família dele foi informada que o mesmo não queria defesa nenhuma, portanto, nem ao menos foi preciso a fazer o seu júri. Soube-se mais tarde que havia sido condenado e que no primeiro dia que progrediu no regime, saiu para um passeio e suicidou-se agarrado a uma foto da vitima.
O terceiro e último caso foi de outro homem, casado há mais de vinte anos. Ele era um homem honesto, trabalhador, bom pai de família e que descobrira a traição da esposa com o vizinho e da pior forma possível: encontrou ambos em sua própria cama. Naquele fatídico dia, ele saiu um pouco mais cedo do trabalho para fazer um jantar especial para a família. Com carinho, passou no açougue, comprou refrigerante para as crianças e foi para casa fazer um agrado para a esposa. Contudo, ao se deparar com a traição em seu próprio lar, quebrou o pescoço da companheira com as próprias mãos, parceira de mais de vinte anos de vida e com quem tinha três filhos, um bem pequeno, contando com apenas três anos de idade à época. Prosseguiu e matou o vizinho a facadas; foram tantas que a casa foi “pintada” com o seu sangue. As fotos daquele local de crime, ainda são nítidas na minha memória. Uma tragédia.
A esposa era uma excelente mãe, cuidava da casa e de todos com muito carinho. Ele, já na prisão, confessou-me que se arrependeu do que havia feito e me relatava que continuava a amar a esposa, que destruiu sua vida e também a de seus filhos que foram criados por terceiros, eis que a mãe era a estrutura daquele lar. Ele foi condenado pelo plenário do júri por quatro votos a três, e cumpriu sua pena. Acompanhado o processo dele até a progressão de regime para o semiaberto. Os filhos nunca o perdoaram, e ainda na cadeia ele acabou adoecendo. Nunca mais cometeu delito algum e sua maior pena foi a solidão e o remorso.
Na verdade, defender crimes passionais nos traz a certeza de viver histórias tristes marcadas pelo sofrimento familiar, e a família é tudo em nossas vidas. Entristece-nos ver famílias destruídas, principalmente pelo oposto do amor, pelo sentimento de posse, por esta cultura que trata a mulher como um objeto masculino. Pensamos que nesses casos narrados o amor fosse sadio, os resultados não teriam sido estes. Uma pena que não foi assim. Desejamos um feliz Dia dos Namorados aos casais! Vamos amar, sorrir, perdoar, começar de novo, estender a mão e, acreditem, somente o amor constrói e amar vale a pena!